Observatório do teatro
Saiu de cena na noite deste sábado, 15, a atriz Eva Wilma. A artista estava internada no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, desde o dia 15 de abril para tratar de um quadro de problemas cardíacos e renais. Em meio ao tratamento, foi descoberto um câncer no ovário. A artista tinha 87 anos.
Natural da capital paulista e filha de um alemão e uma portenha, Eva Wilma Buckup (1933-2021) celebraria, em 2022, 70 anos de carreira teatral contada a partir da estreia de Uma Mulher e Três Palhaços (1952), texto do comediógrafo francês Marcel Achard (1899-1974) que marcou uma revolução estética ao construir, em sua montagem brasileira, um diálogo direto entre elenco e público através da quebra da quarta parede.
Montado sob as bênçãos o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) sob a direção de José Renato (1926-2011), o espetáculo foi sucesso arrebatador em São Paulo a ponto de chamar a atenção do então Presidente da República Café Filho (1899-1970), que levou a companhia para uma apresentação no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, transportados em avião oficial da FAB.
Entretanto, a despeito da bem sucedida estreia teatral, Wilma já vinha construindo carreira de sucesso nos palcos como bailarina. Desde os 14 anos de idade, a artista já construia carreira que a levou a apresentações em palcos nobres, como o do Theatro Municipal de São Paulo.
Entretanto, foi no TBC que de fato pavimentou caminho de sucesso no teatro, que a levaria, anos mais tarde, ao sucesso televisivo em teleteatros exibidos pela TV Tupi e, mais tarde, às comédias de situação – que renderiam o sucesso massivo Alô, Doçura, exibido de 1953 a 1963, dividido com o então marido, o ator John Herbert (1929-2011).
A sitcom fez tanto sucesso que alçou a atriz ao estrelato popular consagrando o sucesso que já fazia com a crítica especializada. Por seu papel de estreia em Uma Mulher e Três Palhaços, a atriz recebeu o Prêmio do Governo do Estado em 1955. Ao lado do TBC montou outros clássicos como Judas em Sábado de Aleluia, A Rosa dos Ventos e Boeing-Boeing, mas foi em 1965 que estabeleceu uma assinatura própria para as personagens que lhe dariam destaque a partir de então.
Ao viver a geniosa Catarina da comédia A Megera Domada, de William Shakespeare (1564-1616), Wilma se consagrava como uma atriz de papéis intensos. Foi nesta toada que encenou ainda outros clássicos, entre eles Um Bonde Chamado Desejo (1974), de Tennessee Williams (ano), no papel da icônica Blanche DuBois, e a tragédia Antígona (1976).
Na TV, a sagração com a exibição original da telenovela Mulheres de Areia consagrou Eva Wilma como uma das principais atrizes da TV brasileira – popularidade esta provada com a exibição do especial Nem Eva, nem Wilma, Simplesmente Vivinha (1975) na TV Tupi e que contou com depoimentos de todo o elenco da casa para falar sobre a trajetória da artista, inclusive do dono da TV e o grupo Os Diários Associados, o magnata Assis Chateaubriand (1892-1968).
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, já separada de John Herbert, a atriz seguiu como um dos nomes mais populares da TV brasileira e também um dos mais ativos do teatro patropi. No período, atacou de diretora (Os Rapazes da Banda, de 1970), produtora (Pato com Laranja, de 1980) e pavimentou caminho para ser consagrada com alguns dos principais prêmios teatrais.
Querida Mamãe
Inexplicavelmente, até meados da década de 1990, a imensa maioria dos prêmios que recebera foram por seus papéis na televisão. Entretanto, ao protagonizar, ao lado de Eliane Giardini, a comédia dramática Querida Mamãe, de Maria Adelaide Amaral, foi agraciada com os prêmios Shell, Mambembe e Sharp, então a trinca principal das premiações brasileiras.
A partir da década de 2000, começou a repassar a trajetória a limpo com obras como Vivinha (2003 e 2009) e Casos e Canções (2018), show no qual punha sua voz a serviço de uma série de canções executadas por seu filho, o ator, músico e diretor John Herbert Jr., costuradas por histórias de sua vida e trajetória artística.
Dois anos antes, contudo, estrelou um dos espetáculos mais importantes de sua carreira em duas décadas: O que Terá Acontecido a Baby Jane?, thriller baseado no filme homônimo e montado sob a chancela da dupla Charles Möeller e Claudio Botelho.
Em cena, Wilma dava vida à personagem Jane, imortalizada no cinema por Bette Davis (1908-1989) e dividia a cena pela primeira vez com sua amiga de longa data, Nicette Bruno (1933-2020). O espetáculo foi uma espécie de marca que apenas realimentou a ideia de que Eva Wilma era atriz talhada para personagens essencialmente intensos.
Entretanto, verdade seja dita, sua saída de cena reacende também a imagem doce e delicada que, se não passou ao longo da construção de sua obra, cultivou em vida levada sempre no tempo da delicadeza, mesmo quando as polêmicas a rodeavam (seu divórcio com John Herbert, então na década de 1970, foi um dos grandes escândalos morais do Brasil, acompanhado com estardalhaço pela mídia).
Eva Wilma sai de cena e deixa legado de versatilidade capaz de produzir cartilha essencial para qualquer profissional que deseje ingressar na cultura das artes para ser artista tão completo e talhado para todos os tipos de personagem, como foi a atriz.
O Que Terá Acontecido a Baby Jane?