Em Goiânia, por exemplo, aumento de vendas com plataformas de delivery atrai estabelecimentos, mas concorrência ampliada, frete grátis e promoções constantes. Isso têm reduzido a margem de lucro
Almoço a um real. Esse tipo de oferta é encontrado nas plataformas de delivery de comida, mesmo que não seja possível comprar quase nada para preparar uma refeição por esse valor. Depois da primeira compra, cupons e promoções cada vez mais tentadores para os consumidores têm feito a lógica por trás dos aplicativos pressionar a margem de lucro dos restaurantes. O que ficou mais intenso a partir de 2018, quando Uber Eats e Rappi se juntaram ao iFood para disputar o mercado de entregas em Goiânia.
Como consequência, há estabelecimentos de alimentação que têm ido à falência e alegam que a culpa é do impacto das plataformas. A empresária Fabiana Reis Drago faz parte desse grupo. Ela voltou a trabalhar como gerente comercial em uma financeira, está com o restaurante à venda e se despede do projeto que iniciou há quatro anos. “Um dia tem muitos pedidos e no outro, nada”, conta sobre a montanha-russa do ranqueamento nos aplicativos.
No Seleto Restaurante, que fica no Setor Nova Suíça, ela lida com a concorrência direta de cinco locais que servem comida à quilo ou semelhante. São as opções que os clientes naquela região possuem a distância de uma quadra. Porém, se pedirem esse mesmo tipo de comida no iFood, a lista sobe para 96, muitos com taxa de entrega grátis e preço semelhante ou mais barato. Por isso, estar presente e aparecer entre as primeiras sugestões do app se tornou um “mal necessário”, como diz.
Quando entrou no aplicativo, em 2016, a qualidade da comida era o que importava para estar em alta na plataforma ao ter boa avaliação. Nessa época, trabalhava com a proposta de alimentação saudável e conseguiu até ultrapassar gigantes do segmento. Viu a oportunidade de ampliar o atendimento e passou a ter ponto físico com um salão maior. Só que a partir de 2018 o ranking mudou.
A entrega gratuita passou a contar para se destacar. “No ano passado, começaram a bater na tecla do cupom e das campanhas para participar com 30% de desconto, ou para dar uma bebida de brinde, além de assumir a taxa de entrega. A gente patrocina e, se não participa, não vende. Essa é a situação.” O planejamento, segundo Fabiana, ficou complicado.
“Quando preparei para 30 entregas, recebi 90. E em alguns dias me preparava e não tinha pedido. Não era avisada das promoções e depois passaram a avisar quando me colocavam.” Nesse sobe e desce, quando estava bem, Fabiana tinha de correr para atender e, se não participava, parte da comida ia para o lixo e funcionários ficavam parados.
O maior problema ocorreu no fim do ano. Fabiana experimentou participar em outubro de uma campanha com um prato que leva filé mignon. Bancou entrega grátis e o valor fixo cobrado passou de R$ 28 para R$ 18. Na primeira leva, foram 170 pedidos. Depois, renovou o contrato, só que a carne teve alta em novembro e ela ficou com prejuízo. “Foi difícil encontrar, o preço subiu 80% e tive de me virar. Depois da cota, desativei e as vendas despencaram.” Foram 700 pratos vendidos.
“O que acontece na China interfere aqui, mas isso não é repassado para o cliente, tiram da margem e o aplicativo é um sócio que fica com 15% da venda. Eu tenho o ônus, mas o bônus não é meu”, pontua ao justificar a decisão de vender o restaurante. A empresária relata ainda que de R$ 60 mil por mês, o lucro tem sido de R$ 2 mil enquanto paga para o delivery R$ 6 mil. “Quando estão em alta vendem mais, só que não signica ter mais lucro, se cria uma ilusão”, explica o pesquisador goiano Altair Camargo sobre a realidade de muitos empresários, conforme constatou em entrevistas com 20 donos de restaurantes e 400 consumidores para tese de doutorado que defende na Universidade de São Paulo (USP) sobre o tema.
Nos estudos, ele conta que identificou que as notas dadas pelos clientes também são relevantes para fazer a posição cair no ranking e os estabelecimentos têm de ter plano para identificar os problemas com o desafio de que com o delivery se perde o contato direto. “O que faz subir é a pouca reclamação ou elas serem bem atendidas e o impacto é maior para os pequenos”, indica.
Mudança
Essa dificuldade de controlar a presença nos aplicativos tem preocupado representantes do setor. Mas o fechamento de estabelecimentos ou as mesas vazias nos pontos físicos não podem ser atribuídos às plataformas, segundo o conselheiro nacional da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Célio Salles. Ele defende que é uma oportunidade, só que “não é simples ou óbvia”.
“Estudos indicam até agora que há ampliação no volume da substituição do preparo em casa e assim quem tem perdido primeiro são os supermercados. É um fenômeno mundial e as pessoas deixam de preparar comida em casa, vão comer na rua ou pedem em casa”, pontua.
Só que os aplicativos deixam cada vez mais a entrega competitiva. “Não é mais caro do que comer fora como antes.” A saída seria estudar e ter a estratégia correta, conforme o perfil do estabelecimento, para que as taxas dos aplicativos e as promoções não deixem prejuízo. “O que tem quebrado os restaurantes é a venda sem projetar a margem de lucro. O ambiente do delivery forma uma concorrência mais intensa”, diz ao ressaltar que a previsão é de que os apps cresçam até 30% ao ano, pois ainda representam pequena fatia das vendas no mercado.
De outro lado, há diculdade de contato direto com o cliente e prática de preços considerada predatória, o que tem sido motivo de pedidos de reunião pela Abrasel com as plataformas. Um exemplo são os pratos a R$ 4,99, como o ofertado pelo Loop do iFood e que fez entrar na concorrência microempreendedores que não têm as mesmas obrigações de um restaurante convencional e que trabalham até mesmo de casa.
Fonte: O Popular (Katherine Alexandria)