O presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, negou na sexta-feria (15) o pedido da Procuradoria-Geral da República para revogar decisão do próprio ministro que lhe deu acesso a dados sigilosos de 600 mil pessoas.
No despacho, Toffoli desafia o Ministério Público Federal: pede que informe o STF, voluntariamente, quais membros da instituição estão cadastrados no sistema do antigo Coaf, chamado hoje de UIF (Unidade de Inteligência Financeira), vinculado ao Banco Central, para ter acesso a esses relatórios financeiros.
O ministro pede que o MPF diga quantos relatórios foram recebidos de ofício por parte do UIF e quantos em razão de sua própria solicitação. O gesto de Toffoli é uma reação ao pedido do procurador-geral Augusto Aras, que classificou de "medida demasiadamente interventiva" a decisão do presidente do STF de requisitar acesso às mesmas informações.
Como revelou a Folha de S.Paulo, Toffoli determinou que fossem enviados à corte todos os relatórios financeiros produzidos nos últimos três anos pelo antigo Coaf, além de representações fiscais da Receita. A medida foi criticada por integrantes do Ministério Público Federal e congressistas, que temem uma devassa em informações sigilosas.
Ao negar o pedido de Aras para que sua decisão fosse revogada, Toffoli alegou que não chegou a fazer o cadastro técnico para ter acesso aos relatórios (embora tenha solicitado essas informações e obtido autorização para acessá-las).
"Não se deve perder de vista que este processo, justamente por conter em seu bojo informações sensíveis, que gozam de proteção constitucional, tramita sob a cláusula do segredo de justiça, não havendo que se cogitar, portanto, da existência de qualquer medida invasiva por parte do Supremo Tribunal Federal, maior autoridade judiciária do País", disse Toffoli na decisão.
Ao pedir os dados de 412,5 mil pessoas físicas e 186,2 mil jurídicas, a justificativa do presidente do Supremo era entender o procedimento de elaboração e tramitação dos relatórios financeiros -do antigo Coaf, rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira)- e fiscais (da Receita).
Toffoli já havia pedido informações dessa natureza antes, mas elas teriam chegado de forma genérica demais.
No entendimento de Aras, a ordem de Toffoli foi uma "medida desproporcional que põe em risco a integridade do sistema de inteligência financeira, podendo afetar o livre exercício de direitos fundamentais".
O PGR disse que a medida é "dispensável ao fim pretendido de conhecimento da metodologia empregada pela Unidade de Inteligência Financeira". Segundo ele, a corte poderia, "de forma menos invasiva, solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia".
O assunto havia gerado preocupação no governo -segundo a reportagem apurou, havia nos relatórios menção a integrantes da família Bolsonaro e a outras autoridades. Nos últimos dias, os ministros Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) teriam sido consultados para encontrar uma solução para a polêmica.
O acesso ao material foi pedido por Toffoli em 25 de outubro. Em 5 de novembro, ele recebeu a resposta do Banco Central, que liberou os caminhos para a consulta dos dados, mas fez um alerta devido ao sigilo e por incluir informações de "um número considerável de pessoas expostas politicamente e de pessoas com prerrogativa de foro por função".
A UIF informou a Toffoli que não conseguiria lhe enviar cópias dos relatórios, mas deu ao ministro uma espécie de senha de acesso ao seu sistema.
O órgão confirmou em nota que ainda não houve consulta aos relatórios pelo Supremo, já que a "autoridade destinatária" não fez o cadastro necessário para acessar o sistema.
Na decisão desta sexta-feira, Toffoli intimou a UIF a entregar até segunda-feira (18) as seguintes informações: quais instituições são cadastradas para receber os RIFs; por instituição, quais são os agentes cadastrados e desde quando estão cadastrados no sistema; quantos RIFs foram disponibilizados por instituição de ofício, por iniciativa da UIF; quantos RIFs foram disponibilizados por agentes cadastrados e respectivas instituições, de ofício, por iniciativa da UIF; quantos RIFs foram solicitados por instituições e quais são as instituições; uais agentes solicitaram RIFs e respectivas instituições e suas respectivas quantidades.
As informações sigilosas ficam em poder dos órgãos de controle porque eles têm atribuição, prevista em lei, para obtê-las (a partir de instituições como bancos), analisá-las, guardá-las ou repassá-las ao Ministério Público, que faz investigação criminal, quando houver alguma suspeita.
Para especialistas, não haveria justificativa legal para que as informações fossem remetidas ao STF -que não investiga os dados desses relatórios.
A determinação de Toffoli foi no âmbito de um processo (recurso extraordinário) no qual, em julho, ele já havia suspendido todas as investigações do país que usaram dados de órgãos de controle sem autorização judicial prévia.
Naquela ocasião, Toffoli concedeu uma liminar atendendo a um pedido de Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo PSL-RJ, filho do presidente Jair Bolsonaro e que era alvo de uma apuração do Ministério Público do Rio. O plenário do Supremo analisará esse tema na próxima quarta (20).
ENTENDA O PEDIDO DE TOFFOLI
O que Toffoli pediu ao Banco Central?
Toffoli determinou ao Banco Central que encaminhasse ao Supremo, em cinco dias, cópias de todos os relatórios de inteligência financeira (RIFs) produzidos pelo antigo Coaf (hoje UIF) nos últimos três anos. No pedido, ele afirma que deve ser especificado quais foram elaborados a partir de análise interna da UIF, quais foram feitos a pedido de outros órgãos (como o Ministério Público) e, nas duas situações, quais foram os critérios e fundamentos legais.
Os RIFs envolvem dados de quantas pessoas?
Cerca de 600 mil pessoas (412,5 mil físicas e 186,2 mil jurídicas), muitas expostas politicamente e com prerrogativa de função. Os relatórios contêm dados sigilosos.
Qual a justificativa de Toffoli para solicitar os relatórios?
Entender o procedimento de elaboração e tramitação dos relatórios financeiros. Toffoli já havia pedido informações dessa natureza antes, mas elas teriam chegado de forma genérica demais.
O que são os relatórios a que Toffoli teve acesso?
Os relatórios partem de instituições, como bancos, que são obrigadas a informar ao órgão a existência de movimentações supostamente atípicas. Os indícios não significam que as pessoas tenham cometido algum crime e nem todas as comunicações feitas à UIF seguem para as autoridades responsáveis por investigações criminais.
(Reynaldo Turollo Jr. e Thais Arbex/FolhaPress SNG)