Cláudia Raia solta o verbo: 'Por que não posso falar sobre sexo anal? Não gosto, dá licença?'
12/11/2019 21:54 em Variedades

 

Atriz acaba de lançar canal de vídeos para mulheres maduras no intuito de se tornar 'a nova Hebe'

 

 

Um metro e 79 centímetros de altura, 52 anos de idade, 36 de carreira, 19 novelas e 15 musicais, fora os que produziu. Tudo em Cláudia Raia é grande. Inclusive a desinibição com que tira a roupa no estúdio, em frente de pelo menos dez pessoas. “Já não tinha vergonha antes. Agora, perdi o filtro também”, diz a atriz, que acaba de lançar no IGTV, canal de vídeos do Instagram, uma série em que fala sobre tudo, sem papas na língua.

Batizada de #50etantas , a atração vai ao ar toda quinta-feira, tem mais de 300 mil visualizações por semana e aborda temas pertinentes às mulheres que cruzaram a barreira de meio século ou estão se aproximando dela.

 

Sexo anal, falta de vergonha na cara, inadequação fashion — não tem assunto sobre o qual Cláudia, recém-contratada por uma grande marca de beleza, não fale. Além disso, a despeito da dificuldade de se produzir teatro no Brasil, há duas semanas a atriz roda o país com o musical “ Conserto para 2 ”.

Em cena, doze personagens e dois únicos atores: ela e Jarbas Homem de Melo , com quem é casada desde 2012 e vive, em São Paulo, ao lado de Enzo e Sofia, de 22 e 16 anos, filhos do casamento com o ator Edson Celulari, rompido em 2010, após 17 anos de união.

 

Mesmo conhecendo bem as agruras da cultura no país, Cláudia é comedida nas críticas ao governo Bolsonaro. É mais fácil fazê-la falar sobre posições sexuais do que de política, assunto do qual se esquiva desde 1989. Naquele ano, a atriz fez campanha para o então amigo e candidato Fernando Collor de Melo e foi criticada pela maioria de seus colegas, efusivos apoiadores de Lula.

Boatos de que seria amante de Collor também a traumatizaram: “Nem tenho mais conhecimento dessa gente”, limita-se a comentar. O assunto voltou à tona há alguns meses, numa espécie de blague, quando Lidiane, sua personagem em “Verão 90”, disse ter votado em Collor porque ele era “bonitão”, mas se arrependido depois do congelamento da poupança.

 

A cena foi dirigida pelo melhor amigo de Cláudia, o diretor Jorge Fernando, cuja morte, na semana passada, a deixou “devastada”. “Para estar aqui, precisei me levantar das trevas”, confessa a atriz, logo depois da sessão de fotos. Ainda assim, Cláudia parece preferir rir da própria dor à emburacar nela. “Se aos 52 sou assim, acelerada, imagina aos 18? Misericórdia, nem eu mesma me aguentava”, brinca. “Eu não andava, quicava. Casei na Candelária, né , amor?, com um esplendor que nem cabia no carro!

E com o Alexandre Frota, o que resume tudo. Imagina quem eu era?”, pergunta, às gargalhadas. A seguir, um pouco da mulher divertida que ela se tornou aos 50 e tantos.

 

Pequinês empolgado

“Minha idade não dita minhas regras do vestir. Temos que olhar para a moda e ver como ela nos favorece, e não ser escravas dela. Tenho que usar o que fica bem em mim. Ah, é um look repetitivo? Tudo bem, dane-se. Não vou colocar certas roupas só porque estão na moda. Eu cago e ando para regras, não existe isso para mim. Claro que o seu corpo vai mudando, e você vai se adaptando às mudanças. Se a idade me ditasse regras, seria complicado, porque eu tenho 14 anos mentais ( risos ). Pareço um cachorro pequinês, vibro mais que a Sofia ( sua filha de 16 ) com várias coisas.”

 

Quem cuida tem

“Eu não nasci assim. Desde muito jovem me cuido pensando no futuro. Não tomar sol para não manchar a pele, por exemplo, é algo que sempre fiz, assim como tirar a maquiagem mesmo chegando às sete da manhã em casa. Eu me preparei para ter o corpo que tenho hoje. Nunca tomei pílula porque a mulher chega de outro jeito à maturidade sem ter tomado tantos hormônios. Continuo nas aulas de balé, pelo menos quatro vezes por semana. Fui uma das primeiras mulheres a praticar musculação no Brasil, nos anos 1980. Passei a vida fazendo musculação, por isso, hoje treino um terço do que treinava, minha memória muscular está aqui.”

 

 

Meu corpo, minhas regras

“Eu faço o que acho bonito, legal. É diferente posar nua hoje e antes. Lá atrás, fui a pessoa que mais fez ‘Playboy’ — quatro ensaios e cinco capas —, mas sempre encarnava uma personagem, tinha uma coisa teatral no ensaio. Fiz mesmo e não me arrependo. Tive uma carreira de sex symbol e usei isso ao meu favor, mas logo no início da carreira vi que eu tinha dois caminhos a seguir. Pensei: ‘Bom, se for por aqui, minha carreira vai acabar aos 30’; ‘se eu for por ali, posso me tornar uma atriz respeitada, que é o que quero ser’. Escolhi o último caminho e acho que funcionou. Mas acho um saco quem diz ‘ah, não quero que a pessoa me ache bonita’, ‘não vou com esse decote para as pessoas não acharem que sou sexy’... Que preguiça.”

 

 

Nova Hebe

“Tive a ideia do canal para mulheres de 50 porque sonhava em ter um programa para conversar com as pessoas. A apresentadora madura, que tem glamour, é engraçada e popular, foi embora com a Hebe. Fiquei com vontade de ser essa pessoa. No Brasil, a mulher ‘morre’ quando faz 40 anos e só renasce aos 80, 90, quando vira a velhinha fofa. A mulher do meio não existe, nem na publicidade nem na casa das pessoas. Mas ela é muito potente: os filhos estão criados e a carreira, estabelecida. Por isso, não é bem vista num país machista. ‘Essa roupa não é para você’, ‘cabelo longo com essa idade?’. Ela acredita nesse discurso.

 

Com a maturidade, percebi isso na pele. Mas não aceitei. Sou como um trator, passo por cima das pessoas. Mas a maioria das mulheres não é assim. Eu sou porque fui criada por mulheres — meu pai morreu quando eu tinha 4 anos e ficamos eu, minha avó, minha mãe e minha irmã, quatro mulheres poderosas de calças compridas.”

 

Sexo sem filtro

“Quero falar sobre o que der na telha, sem filtro. Já que estou encalacrada sendo essa mulher de 52, por que não posso falar sobre sexo anal, por exemplo, algo que incomoda tanta gente? O homem vai lá e quer te obrigar a dar o cu! Não gosto, dá licença? Porra. Por que tenho que fazer algo que detesto para agradar alguém? Com a maturidade, descobri que posso dizer do que gosto e não gosto — na verdade, sempre disse, mas o feminismo veio para reforçar isso. Outra coisa: por que é errado ser uma mulher que gosta de sexo que nem eu, uma ‘transarina’? Por que no Brasil quem gosta de sexo é vista como puta? A gente tem vergonha de dizer que gosta. E quanto mais velha, pior. Se for mãe então…

 

‘O que é isso, mãe, está saindo com todo mundo?’. Todo mundo, não! Se estou solteira, estou testando. Ah, mas não pode, a sociedade não deixa porque você é mãe. Então, temos que falar sobre isso. Talvez eu não consiga grandes resultados, mas estou abrindo portas para quem vem atrás de mim.”

 

Assédio e coruja

“Quando eu tinha 13 anos, fui estudar balé em Nova York e fiquei hospedada na casa de um bailarino amigo da minha mãe. Um dia, ele sentou ao meu lado e começou a conversar, colocou a mão na minha perna, e daqui a pouco a mão veio subindo, subindo… Imediatamente olhei para o lado para ver o que me cercava, o que eu poderia usar para me defender. Quando ele veio com mais força, peguei a primeira coisa que alcancei, uma coruja de cristal, e ‘pow!’ na cabeça dele. Não seria diferente porque fui criada para jamais abaixar a cabeça para nada. Felizmente, só passei por isso uma vez na vida.”

 

 

 

Nas raias da tristeza

“Claro que tenho momentos de tristeza. É que não sei viver sem felicidade e procuro por ela até nas piores coisas. Mas não sou forte o tempo todo. Hoje, me levantei das trevas por causa da morte do Jorge Fernando ( falecido quatro dias antes desta entrevista ). Também perdi minha mãe esse ano, no meio da novela.

 

Não deu tempo de pensar muito, vivi o luto quando ficava quietinha. Talvez não tenha superado. Está sendo um ano pesado — acho que para todos, né ? Lido com isso agarrada no psicanalista, na família, nos amigos. O budismo também me ajuda. Gente, que elenco é esse que estão escalando lá em cima que não está ficando ninguém legal aqui? Do jeito que o mundo está chato, às vezes penso: ‘Para onde vou? O que vou fazer?’.”

 

Yes, you can

“Sou empreendedora desde os 19 anos ( Cláudia começou a trabalhar aos 10, como modelo de Clodovil ). As pessoas vêem o que faço em cena, mas não sabem que 90% do que fiz na vida foi produzido por mim. Para mostrar isso, criei a palestra ‘Nas raias do empreendedorismo’, em que falo sobre as dificuldades que enfrentei. Conto essa trajetória desde os anos 1990, quando comecei a produzir, a pedir patrocínio. Nunca foi fácil. Além de tudo, eu era um símbolo sexual. Os caras diziam: ‘Hoje vou receber a gostosa da Cláudia Raia’. E eu sabia, mas ia mesmo assim.

Chegava na reunião, o cara ficava me olhando e eu enfrentava: ‘Você está prestando atenção no que estou falando?’.

Brasil de Bolsonaro

“Não estou entendendo nada. Na-da. Estou com muito medo. O Brasil está doentinho, e vem essa avalanche de coisas desnecessárias. Eu sou otimista, tá? Acredito no brasileiro, acho que o país é potente, mas precisamos começar tudo de novo, e o coração é a educação. Precisamos deixar de ser um país onde um passa a perna no outro. Você vê gente dizendo ‘fulano é incrível porque é honesto’, mas como assim? Isso é obrigatório, não qualidade! Minha filha veio me dizer algo sobre alguém que falsifica carteirinha, e eu disse: ‘esquece, isso não existe dentro dessa casa’. Como você quer um país melhor, se faz isso? As pessoas dizem “foda-se, todo mundo faz”. Na minha casa, não.”

Foto: Foto: Guilherme Nabhan

Fonte: Jornal O Globo

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