Em Altamira, mau cheiro atrai urubus e embrulha estômago de parentes
Policial
Publicado em 31/07/2019
FolhaPressFABIANO MAISONNAVE  

"Olha lá os urubus rodeando", aponta para o céu a telefonista Ketheleen Veiga, 29, enquanto espera a liberação do corpo do irmão, um dos 57 detentos mortos no Centro de Recuperação Regional de Altamira. 

Guardados de forma improvisada em um caminhão frigorífico sob o inclemente sol amazônico, os corpos estão se decompondo em meio à dificuldade para identificar as vítimas. Foram 16 pessoas esquartejadas e 41 carbonizadas. 

Por falta de espaço, os cadáveres estão sendo exumados sob uma tenda improvisada e sem refrigeração no pátio do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves, o equivalente paraense do IML, sob gestão estadual.

O mau cheiro vem principalmente quando os peritos abrem a porta do caminhão. Perto do meio-dia, o odor era tão forte que provocou uma debandada das dezenas de parentes concentrados na porta. Alguns vomitaram. Como paliativo, foram distribuídas máscaras cirúrgicas.

Ao mesmo tempo em que embrulha o estômago de quem espera, o cheiro atraiu três urubus, que pousaram no muro do centro de perícias. 

A vigília é atenuada por uma tenda montada na entrada do prédio e pela Igreja Universal do Reino de Deus, que distribui água, café, cachorro quente e conforto espiritual. Há também um posto de saúde da prefeitura.

O irmão de Veiga é um dos detentos esquartejados. "De manhã, a minha tia entrou para reconhecer a cabeça. Agora, entrou para reconhecer o corpo", disse, por volta das 13h.

Um vídeo gravado com celular mostra o momento da decapitação. Nas imagens, ele aparece vivo e com um pano na boca no momento em que o seu pescoço é cortado.

A família diz que não irá fazer velório por causa do estado do corpo. Outros parentes têm receio de fazer a cerimônia fúnebre com temor de serem atacados por uma das facções rivais.

De acordo com as investigações, as mortes foram provocadas por um ataque do Comando Classe A (CCA), facção local, contra membros do Comando Vermelho (CV), criado no Rio de Janeiro.

Dois peritos disseram à reportagem que o trabalho é lento devido ao estado dos corpos, liberados um a um. Até o meio tarde, apenas quatro corpos haviam sido liberados.

"Pergunta para as vítimas dos que morreram lá", diz Bolsonaro Ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã desta terça-feira (30), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) não quis responder sobre o massacre.

"Pergunta para as vítimas dos que morreram lá o que eles acham, depois que eles responderem eu respondo a vocês", disse ao entrar no carro. 

Esta foi a primeira vez que o presidente comentou o caso. Uma rebelião deixou 57 mortos em Altamira (PA) nesta segunda-feira (29).

No meio da manhã, o bispo emérito do Xingu, Dom Erwin Krautler, chegou ao prédio do IML. Um dos símbolos na defesa dos direitos humanos na região do Xingu, Dom Erwin confortou as famílias, e criticou a falta de segurança dentro e fora dos presídios em todo o estado. 

"Nossa região é notícia negativa mais uma vez, essa carnificina não poderia ter acontecido, nós não poderíamos ter permitido que a violência, esse descontrole chegasse a esse ponto, eu estou arrasado, as famílias estão destruídas, nossa cidade, nossa região, isso não poderia ter acontecido, até quando?".

Relatório do CNJ mostrou que a unidade tem condições classificadas como "péssimas". Além de superlotada --343 cumpriam pena no local, mais que o dobro da sua capacidade, de 163 vagas--, inspeção do conselho detectou que "o quantitativo de agentes é reduzido frente ao número de internos custodiados".

O CNJ também constatou que a penitenciária não tem bloqueador de celulares, enfermaria, biblioteca, oficinas de trabalho ou salas de aula. 

O Pará, quarto estado mais violento do país, vem registrando o avanço das milícias, fenômeno que só encontra paralelo no Rio. 

Reportagem recente da Folha mostrou que em nenhum outro estado brasileiro organizações criminosas comandadas por policiais e ex-policiais estão tão organizadas, estruturadas e dominam áreas tão vastas. 

Segundo investigações da Polícia Civil e do Ministério Público do estado, os milicianos dominam o transporte alternativo em várias regiões, a venda de gás em diferentes favelas, a oferta de serviços de TV a cabo, a venda e transporte de produtos contrabandeados e serviços de segurança. Além disso, controlam parcela considerável do tráfico de drogas local, rivalizando com as facções criminosas.

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