TJ-SP extingue penas de condenados pelo Massacre do Carandiru
Policial
Publicado em 09/10/2024

Foto de arquivo de 2 de outubro de 1992 mostra carros da ROTA entrando na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru) para conter uma rebelião. O episódio ficou conhecido como Massacre do Carnadiru, onde 111 presos foram mortos

Por Mônica Zarattini/Estadão e Kleber Tomaz — São Paulo

Em agosto, Órgão Especial do Tribunal da Justiça de São Paulo julgou constitucional indulto do então presidente para agentes que participaram de ação da PM em 1992 na Casa de Detenção. Em outubro, 4ª Câmara do TJ-SP cumpriu decisão extinguindo condenações

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) extinguiu neste mês todas as penas dos 74 policiais militares condenados por executarem a tiros 77 presos durante ação para conter rebelião na Casa de Detenção da capital paulista em 1992. O caso ficou conhecido como Massacre do Carandiru.

 

A decisão do TJ-SP por extinguir as condenações dos agentes da Polícia Militar (PM) no massacre segue cumprimento anterior do decreto de Jair Bolsonaro (PL). Em 2022, quando era presidente, ele havia dado indulto de Natal, perdoando agentes de segurança pública condenados por crimes cometidos há mais de 30 anos.

 

No total, 111 detentos morreram durante a ação da PM no Carandiru. Mas 34 deles foram mortos com golpes de facas pelos próprios companheiros de celas durante o motim de presos no dia 2 de outubro de 1992.

 

O Ministério Público (MP), órgão responsável por acusar os PMs pelos assassinatos dos detentos, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo contra a decisão do órgão que extinguiu as condenações dos agentes no massacre.

Indulto de Bolsonaro

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) chora em cerimônia de entrega de título de cidadã paulistana à esposa Michelle Bolsonaro (PL), no Theatro Municipal de SP. — Foto: Richard Lourenço/Rede Câmara

Em janeiro de 2023, a então ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, havia suspendido provisoriamente o indulto de 2022 de Bolsonaro. O decreto beneficiava os policiais militares condenados pelo Massacre do Carandiru.

 

A Procuradoria-Geral da República (PGR) alegava à época que a decisão do ex-presidente era inconstitucional. Segundo a PGR, havia violação da Constituição por permitir indulto para crimes hediondos. No entanto, os crimes dos policiais militares do Carandiru não eram considerados hediondos quando foram cometidos.

 

O STF ficou então de decidir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do decreto de Bolsonaro. Mas em junho de 2024, o ministro Luiz Fux, do STF, autorizou o Tribunal de Justiça de São Paulo a retomar o julgamento sobre a validade ou não do indulto do ex-presidente para perdoar as penas dos agentes da PM pelo Massacre do Carandiru.

 

E em agosto deste ano, o Órgão Especial do TJ-SP julgou constitucional o indulto dado por Bolsonaro para os policiais militares condenados pelos homicídios de presos na Casa de Detenção.

 

Desse modo, no dia 2 de outubro, a 4ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP cumpriu a decisão do Órgão Especial, extinguindo as condenações dos PMs. Assim, as penas deles, que iam de 48 anos a 624 anos de prisão, também foram extintas.

 

Juristas ouvidos pela reportagem disseram que se o Supremo Tribunal Federal ainda pode voltar a julgar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, que ficou pendente. O órgão foi procurado nesta quarta-feira (9) para comentar o assunto, mas não respondeu até a última atualização desta reportagem.

 

De acordo com especialistas em direito, se o STF decidir que o decreto de Bolsonaro não é constitucional, essa decisão poderia fazer com que a extinção das penas dos PMs condenados pelo Massacre do Carandiru fosse revista pelo TJ.

 

Os PMs condenados pela execução dos presos na Casa de Detenção sempre alegaram ter atirado em legítima defesa para se defender. Nenhuma dos agentes foi preso no caso desde 1992.

 

'Licença para que PMs matem'

"Entendo como inaceitável que a impunidade tenha se efetivado por uma decisão política do ex-presidente Bolsonaro, que foi insensível aos sofrimentos dos familiares das vítimas e também desconsiderou todos os trabalhos realizados pela Policia Civil, corregedoria da PM, Promotoria criminal, Vara do Júri e dos próprios jurados", disse ao g1 o advogado Ariel de Castro Alves, presidente de honra do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.

 

"Essa decisão do TJ em cumprimento ao indulto presidencial serve como uma espécie de licença para que PMs matem e não sejam punidos! Esperamos que o Ministério Público apresente recurso para ainda tentar evitar a impunidade", afirmou Ariel.

'Absolvição inacreditável'

Sidney atualmente é pastor no interior de São Paulo — Foto: Arquivo pessoal

"Ttive que acordar com essa notícia escandalosa dessa absolvição inacreditável que somente ocorre num país' de fascista e de autocracia. Pois éramos presos do Estado e o próprio Estado, através de pessoas incompetentes, incapacitadas, entram, matam pessoas indefesas aonde eles poderiam ter cortado a energia elétrica, água, alimentação, que não resistiríamos, no máximo, em menos de 24 horas. Mas acredito ainda na justiça do STF, que não deixará passar impune essa impunidade", disse nesta quarta ao g1 o pastor Sidney Sales, ex-preso, sobrevivente do Massacre do Carandiru em 1992.

 

"Para que no amanhã não possa existir outros episódios como aquele e muito menos impunidade", falou Sidney.

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