Lei Maria da Penha: Juiz declara inconstitucional trecho que fixa medidas de proteção às mulheres
Política
Publicado em 12/10/2023

Jorge Amancio declarou ilegal trecho modificado em abril deste ano que prevê concessão de medidas protetivas em pedidos que não façam parte de inquéritos ou ação penal. Promotor recorreu ao TJ 

Plantonista neste final de semana na 1ª Instância do Judiciário tocantinense, o juiz Jorge Amancio de Oliveira negou as medidas protetivas pedidas por uma mulher que denunciou violência doméstica praticada pelo ex-companheiro, em Lagoa do Tocantins.

 

O caso tramita sob segredo de Justiça, mas a vítima pediu proteção na 78ª Delegacia de Polícia de Lagoa do Tocantins, município localizado a 121 km de Palmas, leste do Estado, dentro da comarca de Novo Acordo.

 

A mulher relatou que viveu com o home por 12 anos, tiveram dois filhos, o relacionamento acabou em dezembro de 2022, na quarta-feira, 11, o homem ligou para perguntar se ela estava com outro homem e reagiu com ameaças quando ela respondeu que “não devia satisfação a ele”.

 

“Se você colocar outro homem aí dentro de casa, eu vou aí e mato você, os meninos coloco fogo na casa e me mato depois. Eu vou ficar prestando atenção, pra ver se você vai colocar homem aí dentro de casa. E se você me denunciar eu vou te matar mais ligeiro, até com revólver na cara eu falo a mesma coisa que tô falando pelo telefone”, consta no Boletim Policial, de número 2023.0092885, da 78ª Delegacia de Polícia, no qual a vítima representou criminalmente contra o homem.

 

O juiz negou proteção à mulher. Segundo Jorge Amâncio, para conceder medidas cautelares “exige uma investigação em curso”. Com este entendimento, declarou que o trecho incluído recentemente na Lei Maria da Penha pela Lei nº 14.550, de abril deste ano, é inconstitucional;

 

“Afronta diretamente os princípios da liberdade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”, escreveu o juiz na decisão de ontem à noite. O trecho que o juiz Jorge Amancio declara inconstitucional é o parágrafo § 5º, do artigo 18, da lei Maria da Penha, sancionado em abril deste ano.

 

O parágrafo 5º diz, expressamente: “as medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência”.

 

Luiz Francisco de Oliveira, promotor de Justiça plantonista, recorreu da decisão ao Tribunal de Justiça. No recurso em sentido estrito, ele pede que os desembargadores declarem constitucional o artigo derrubado pelo juiz e aplique as medidas protetivas de urgência solicitadas pela vítima “por ser questão de verdadeira Justiça!”

 

Para o promotor, o juiz não fez uma leitura “mais atenta” do pedido, caso tivesse feito, teria “percebido” que há um boletim de ocorrência, argumenta Luiz Francisco. “A leitura foi tão superficial que até mesmo ele declarou a inconstitucionalidade incidental a uma norma que não existe, pois não há o § 5º no art. 18 na Lei n. 11.340/2006”, completa.

 

O promotor ressalta que as novas regras estabelecem medidas protetivas de urgência e estabelecem “que a causa ou a motivação dos atos de violência e a condição do ofensor ou da ofendida não excluem a aplicação da lei”.

 

Ou seja, bastam as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, como recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça têm afirmado “o entendimento de que não seria necessário discutir concretamente vulnerabilidade da mulher para aplicar a Lei Maria da Penha, pois esta seria presumida”.

 

Racismo com violência doméstica

Em outro ponto interessante do recurso, o promotor aborda a questão racial do caso, pois a vítima é negra. “A violência contra mulher negra tem aumentado devido a diversos problemas sociais, destacando-se as condições psicológicas que elas enfrentam”, destacam. Na visão do promotor, quando mulheres negras procuram apoio do Estado, “sofrem continuamente uma mensagem estranha, misteriosa, vocês são inferiores!”.

 

“Os próprios órgãos que deveriam proteger acabam até mesmo invertendo os lugares entre o agressor e a vítima”, afirma o promotor, citando a dissertação Humilhação Social no Trabalho: o caso das advogadas negras defendida há uma década por Rosana Antoniacci Platero.

 

Fonte: Jornal do Tocantins 

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