Estamos há algumas semanas, em todo Brasil, vivendo uma verdadeira angústia coletiva, no meio médico, decorrente do episódio fatídico, tendo, como, personagem principal, no núcleo, ou cerne, da tragédia: encontra-se, o renomadíssimo colega Médico-Pediatra - Eduardo, radicado em Teresina-Pi, o qual, após muitos anos de trabalho na referida cidade, onde exerceu com o máximo de competência técnica, ética e humana, a especialização – Cirurgia Pediátrica, mas infelizmente, ao operar uma criança de 6 anos, sexo feminino, a qual, veio a falecer durante o ato cirúrgico, por ele presidido, motivando portanto uma forte campanha difamatória pela mídia local.
Sem dúvidas, todos nós médicos somos surpreendidos, vez por outra, com o sabor amargo diante de um infortúnio dessa natureza. Infelizmente, a fatalidade humana, é fato, mas no seio da comunidade leiga, e, principalmente, entre os familiares que perdem um ente querido, a exemplo dessa criança, é, de fato, um cenário indesejável a qualquer profissional médico.
E, assim, as vozes, procedentes dos confins da ingratidão humana, ocupam o centro de todas as conversas que ocorrem nas esquinas de nossas cidades. Estabeleço uma estreita conexão dessa histeria familiar e da mídia, em geral, com tais tragédias, considerando-se, que, poderemos tratar com sucesso diversas patologias em um mesmo paciente, porém, se, por acaso, acontecer um insucesso profissional, seguido de morte, os êxitos, anteriores do médico, serão esquecidos completamente.
O termo fatalidade foi, aqui, aplicado, em razão, do que tem sido descrito em todos os comentários dentro da classe médica, quanto a idoneidade científica e ética do colega Eduardo, em toda sua trajetória terrena, no exercício da Medicina Humana. Todavia, é, por tudo isso, que temos motivos de sobra, para afirmar: o nosso colega não teve a frieza dos técnicos em Medicina humana, ou seja, ele absorveu, ou incorporou, a si, o sofrimento dos pais, familiares e da própria criança! Cujo nível de esperança acerca do sucesso pós-cirúrgico que, provavelmente, era esperado, considerando-se, as suas habilidades cirúrgicas, de conhecimento da família da criança.
Lembrar o momento durante o pré-operatório, principalmente as palavras finais, a ela ditas, por exemplo: “ Fique tranquila, minha querida; não vai doer nada; você vai voltar pra casa, e, poder voltar à escola, logo, logo, estarás brincando com os teus irmãozinhos, coleguinhas de escola, levarás, portanto, uma vida feliz”. Confiemos em Deus! E, de repente, nada disso acontecer, posso imaginar, o oceano de questionamentos vividos, por nosso colega, diante, do seu insucesso profissional, marcado por morte, pela primeira vez, em sua carreira profissional, ao operar aquela criança.
Quantas lágrimas, lamentos, revolta interior, arrependimento de ser médico, naqueles instantes, quanta vontade de sumir pelo mundo à fora, fugir de si, e, fugir de todos, ocorreram-lhe, inevitavelmente, em forma de pensamento, após, esse traumático episódio, cujo principal responsável coube a um profissional médico, com o seu perfil de competência em cirurgia infantil? Dói-me, só, em pensar na imensidão de tão grande sofrimento, vivido, naqueles instantes, por nosso colega.
Partiu em direção ao suicídio, sob o auge de muita angústia e dor imensurável, consequente, a essa indagação: “Meu Deus, como, pude errar, ou, onde, foi que errei”? Certamente, dentro de si, misturaram-se: o orgulho ferido de um profissional nota 10, e, indiscutivelmente, aconteceu o fenômeno, de contratransferência (psicanálise), em relação ao sofrimento dos pais, e, mais ainda, da criança que não sobreviveu ao ato cirúrgico. Penso: talvez, o nosso colega se tenha dado conta, do quanto somos pequeninos e limitados diante da vida!
Encanta-me, profundamente, saber da existência de um profissional tão dedicado, estudioso, ético, humanista, preocupado com os mais necessitados, segundo, dizem todas as mensagens feitas por nossos colegas, a respeito do médico – Eduardo. Inquestionavelmente, este meu encanto é produto da realidade, dos nossos dias, no seio da Medicina Humana, cujo idealismo profissional, sem medo de errar, tem sido fundamentado, quase sempre, na ideologia do ter. O mercenarismo vem destruindo gradativamente os nossos preceitos e conceitos médicos, adquiridos há milênios, nas últimas décadas. Tão indispensáveis, hoje, quanto, foram no tempo de Hipócrates – 460 AC, a Ética Médica continua bastante necessária.
Neste momento, cubro-me com as vestimentas do sofrimento vivida por nosso colega, cuja dimensão tornara-se tão insuportável, que o fez por fim a sua vida, por suas próprias mãos. É, claro, esquecera-se, portanto, de que, matando-o, matar-se-ia, inevitavelmente. Realmente, nenhum suicida, gostaria de se matar, conforme os mais respeitáveis estudiosos do psiquismo humano de nossa atualidade. Buscam, simplesmente, matar a dor que os inferniza.
A realidade dessa tragédia, envolvendo um colega cirurgião, tendo como, principal vítima, uma criança de 6 anos, deveria servir de alerta, aos nossos conselhos regionais e federal de Medicina, sobre a necessidade de um suporte psicológico, nos nossos serviços de saúde, em todo brasil. Não tenho certeza, mas suspeito que na maioria dos cursos médicos atualmente, não se tem dado qualquer importância, a respeito da saúde mental e emocional de nossos atuais e futuros colegas médicos de todas as especialidades, no nosso dia a dia.
Há décadas, atrás, numa sexta-feira, qualquer, recebera o telefonema de uma mãe de um paciente, de aproximadamente, 8 anos, cuja sala de parto, eu fizera, após, aproximadamente, 5 anos, sem vê-lo para uma abordagem clínica. Sua voz, me pareceu com certo grau de desespero. Quis, saber o motivo da aflição materna, no que ela me respondera: “Dr. B... está vomitando vermes pela boca, aqui, em casa”. Aconselhei-a, que o levasse a um dos hospitais nos quais atendia. A criança foi levada e examinada, e, orientei a mãe sobre a importância da hidratação. Solicitei exames laboratoriais.
Por estar esperta, ativa, a mãe preferiu ficar com ela em casa. Passou, o resto do dia até o inicio da tarde do dia seguinte (sábado), ativa. Quando, após, eliminar novamente outro áscaris de aproximadamente 30 cm, a mãe me ligou. Resolvi hospitalizá-lo no hospital Santa Tereza. Antes de ir para a igreja de São Francisco, passei no hospital, e a criança estava estável. Eliminou, outros vermes. Passando a apresentar um quadro convulsivo, acompanhado de hemoptise, no período noturno, antes das 22horas. A angustia familiar generalizou-se, diante da evolução clínica da criança. Não gosto de me lembrar, de modo algum aquele sábado, cuja noite, me levara um de meus pacientes, de modo tão estúpido, vítima de assassinato por Áscaris lumbricóides. Deus e Nossa Senhora de Nazaré sabem, muito bem, o quanto sofremos em tais momentos.
Por incrível que pareça, nos instantes, em que lhe massageava o tórax, aquele pai, que sempre me preocupava, quanto a morte de um de seus filhos, estando sob meus cuidados profissionais, abraçou-me, dizendo: “Dr. Pode deixar! Você fez o que estava ao seu alcance”! Nós, os profissionais de medicina nunca somos acudidos nos difíceis momentos de nossas atividades, por nossos conselhos estaduais ou federal de nossa saúde. A expressão dita, a mim, pelo pai da criança, jamais me fez eximir-me de inúmeros porquês... a exemplo: por que, ainda, morrem crianças vítimas de verminose, desnutrição, e, tantas outras doenças médico-sanitárias, hoje, erradicadas em muitas partes do Mundo? Exceto minhas colegas e amigas da Pediatria, qualquer outro colega, veio a mim, prestar apoio moral.
O suicídio do nosso colega – Eduardo, indubitavelmente, é fruto do descaso com a saúde mental e emocional do médico brasileiro. As faculdades médicas, principalmente, agora, estão colocando centenas de médicos, sem quaisquer estrutura psicológica e segurança cientifica, muitas vezes, para o exercício da célebre Medicina Humana.
Que Deus nos conceda muita sabedoria, humildade e saúde emocional, suficiente, para neutralizar todo e qualquer sentimento de insucesso em nossa caminhada terrena!
Imperatriz-Ma. Julho de 2023
Itamar Dias Fernandes – Médico-Pediatra: SBP, UFPA, AMB, CRM
Membro fundador do Corpo Freudiano de Imperatriz
AIL