Combate à pandemia: como o setor aéreo tenta restaurar rotina de voos
17/08/2020 22:27 em Política

Um dos mais atingidos pela pandemia do novo coronavírus, o setor aéreo passa por uma lenta recuperação ao mesmo tempo em que ainda busca retomar a confiança dos passageiros. Um dos desafios das companhias têm sido convencer os clientes de que é seguro embarcar com centenas de pessoas, em uma aeronave fechada, no momento em que o Brasil ultrapassa a marca de 106 mil mortos por Covid-19.

A queda na demanda por passagens domésticas e internacionais chegou a 93% em abril em relação ao mesmo período no ano passado. Em junho, o percentual era um pouco menor, de 86% na mesma comparação. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), a volta dos passageiros está relacionada com a retomada de setores econômicos que exigem viagens e com os protocolos de segurança validados no Brasil e no exterior.

Essas medidas sanitária estão implementadas desde o fim de junho e envolvem as companhias aéreas e os aeroportos. Os protocolos permitem a entrada no aeroporto apenas de quem vai viajar, determina a obrigatoriedade de uso de máscaras, o check in sem contato manual, a utilização de um sistema de sanitização nos aparelhos de raio-x e o distanciamento nas filas de embarque.

Mas o principal argumento usado em favor da segurança do transporte aéreo é a utilização, em toda a frota brasileira, de um sistema de filtragem capaz de trocar todo o ar da aeronave a cada três minutos. Os filtros HEPA (High Efficiency Particulate Air) conseguem filtrar 99% dos microrganismos do ambiente, inclusive o coronavírus.

“Os filtros HEPA estão presentes em todas as aeronaves no Brasil, que tem frota jovem, com menos de 10 anos. Ele limpa 99% do ar a cada três minutos, puxando o ar de cima para baixo. As pessoas são obrigadas a viajar de máscara, mas se uma partícula escapar de um passageiro, ela não chegará à quem está do lado pois o filtro puxa para baixo. Isso torna o ambiente do avião tão seguro quanto uma sala cirúrgica”, disse o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz.

 

Receio persiste

Morador de Goiânia e funcionário de uma empresa de planos de saúde, o supervisor administrativo Gabriel Henrique Cardoso Gomes, de 25 anos, precisou fazer uma viagem a trabalho no começo de agosto. Ele afirma que sentiu segurança na maior parte do itinerário, entre Goiânia e Fortaleza, embora tenha críticas relativas aos protocolos adotados pelas companhias aéreas.

"Meu voo de volta demorou 15 horas, teve duas escalas e trocas de aeronave. Todo esse tempo dentro de aviões e aeroportos causou receio. Os voos estavam cheios e preocupa ver tanta gente perto uma da outra. No saguão você pode sentar em uma cadeira e na outra não, sempre tem uma vazia a seu lado. Eu acho que não custaria nada fazer o mesmo no avião e deixar o assento do meio vazio, isso deixaria a gente mais tranquilo", disse Gomes.

O publicitário Hélcio Vieira, de 63 anos, viajou de São Paulo para Salvador na última quarta-feira (12). Ele relata ter presenciado aglomerações em dois momentos de desembarque. O primeiro quando os passageiros tiveram que fazer uma trocar de aeronave, antes da decolagem. O segundo ocorreu na chegada ao destino.

"Antes de abrir as portas para realizar a troca já havia pessoas no corredor do avião, em aglomeração. Foi uma confusão, a maioria não se atentou para os protocolos mas considero que também faltou preparo da tripulação. A mesma coisa aconteceu na hora do desembarque em Salvador, com as pessoas novamente de pé e gente tossindo. Eu fiquei preocupado pois sou diabético, obeso e tenho disfunção renal", disse.

Dentro das aeronaves, a recomendação passada no sistema de som é para que o desembarque seja realizado de forma ordenada. Os passageiros da segunda fileira devem aguardar sentados e se levantar somente após a saída dos que estão na primeira e assim por diante.

Sanovicz afirma que a associação tem trabalhado para fazer essas informações chegarem aos clientes. De acordo com a Abear, cerca de 25 milhões de emails ja foram enviados para os consumidores que estão cadastrados nos bancos de dados das companhias aéreas brasileiras.

“Temos sido muito insistentes na orientação dos passageiros, nas nossas comunicações e à bordo.  As informações são repetidas várias vezes, mas temos que seguir conscientizando. Não há outro instrumento à nossa disposição. Temos que chamar a atenção para o sentimento de solidariedade e empatia com as pessoas à volta”, afirma Sanovicz.

Riscos

Apesar do protocolo adotado pelas companhias aéreas, a pandemia ainda não está controlada no Brasil, que contabilizou na sexta-feira (14) uma média móvel diária de 993 óbitos por Covid-19 nos últimos 7 dias. Diante desse cenário, a recomendação dos profissionais de saúde é para que as pessoas façam viagens apenas se não houver outra possibilidade.

Entre os motivos da recomendação estão a falta de obrigatoriedade da realização de testagem antes dos voos e o risco de aglomeração dentro e fora da aeronave. Em alguns aeroportos, ainda é preciso embarcar em um ônibus para fazer o trajeto entre o avião e as salas de embarque e desembarque.

"A orientação é para viajar apenas em último caso, mas já existem normas de segurança que devem ser cumpridas por quem não tiver outra opção. O mais importante é manter o máximo de distanciamento, usar a máscara o tempo inteiro e higienizar as mãos sempre que for levá-las à boca, olhos e nariz", disse a professora Zilah Cândida Pereira das Neves, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), que realiza pesquisas sobre protocolos de biossegurança.

A pesquisadora acrescenta a necessidade de haver fiscalização para verificar se os protocolos têm sido cumpridos. Sobretudo em relação à higienização de banheiros e disponibilização de álcool em gel.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que foi aberto um processo administrativo de regulação e consulta pública para para dar suporte às atividades de fiscalização nos aeroportos. A proposta visa garantir aos fiscais suporte regulatório para determinar e exigir condutas de passageiros, instalações comerciais e responsáveis pelos meios de transporte.

“A proposta de regulamentação busca reforçar medidas de combate à pandemia, incluindo o uso de máscaras, adoção de distanciamento social e higienização das mãos, conforme já amplamente divulgado pela Agência”, diz a nota da Anvisa.

Mercado

Dependente do controle da pandemia para a plena recuperação, a Abear calcula que o ainda vai levar cerca de um ano e meio para o mercado interno voltar ao patamar que estava antes da chegada do novo coronavírus. A recuperação da malha internacional deve ser mais tardia e provavelmente ocorrerá entre 2023 e 2024, de acordo com a associação.

"O mercado internacional tem um quadro muito mais grave, são voos longos, nos quais não é possível realizar sem serviço de bordo. E tem o agravante de que em vários lugares os passageiros que partem do Brasil estão com a entrada vetada. A imagem que chega ao mundo é de descontrole na forma de tratar a pandemia", afirma Sanovicz.

A Abear estima que no fim de agosto a oferta de voos domésticos regulares seja de 743 por dia, em média. Esse número representa 31% da quantidade ofertada antes da pandemia. A expectativa da associação é que os voos sejam realizados com 70% de ocupação de passageiros. Na mesma altura a entidade espera voltar a atender 61% dos destinos onde as companhias costumavam operar.

Revista Epoca

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