Alunos da rede pública do Maranhão enfrentam obstáculos para estudar à distância durante a pandemia
29/06/2020 13:00 em Política

 

Na comunidade de Coroadinho, em São Luís, professores se organizam para amparar alunos e moradores com cestas básicas e orientações de proteção contra a Covid-19

Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil e os casos da doença começaram a se alastrar pelo país, as escolas suspenderam as aulas presenciais com o intuito de proteger alunos e funcionários. Por conta disso, as instituições vêm implantando um novo processo de ensino, que engloba vídeo aulas, plataformas online e aplicativos.

Essa nova realidade, no entanto, escancara cada vez mais a desigualdade entre os alunos das escolas particulares e públicas - nesta última, estudantes encontram dificuldades relacionadas à internet, falta de equipamentos tecnológicos (como celular e computador), falta de espaço para estudar e a suspensão da merenda, antes consumida no ambiente escolar e que agora é suprida por cestas básicas, entregues graças a articulação dos moradores na arrecadação de doações.

Os professores também encaram problemas: além de não possuírem estrutura para trabalhar em casa, ainda enfrentam sobrecarga de trabalho.

No Maranhão, até esta segunda-feira (29 de junho), os casos de Covid-19 chegaram a 78.512. Coroadinho, que conta com 25 comunidades e 125 mil moradores e faz parte do grupo G10 Favelas, bloco de empreendedores que desenvolve atividades para auxiliar moradores de comunidades carentes em todo país.

Por lá, 90% dos moradores trabalham em comércios, no setor de serviços ou são autônomos, e perderam suas rendas com a chegada da Covid-19.

O bairro é um reflexo do estado do Maranhão, que conta com o maior percentual de trabalhadores informais do Brasil - cerca de 64,9%, segundo dados de 2018. De acordo com o Governo do Estado, apenas 300 mil pessoas têm plano de saúde em uma população de quase 7 milhões de habitantes.

De acordo com Christiana Teixeira Mendes - professora de educação infantil, neuropsicopedagoga e idealizadora do comitê ‘Coroadinho sem Corona’, que coordena a arrecadação e distribuição de doações, além de compras de insumos de comerciantes locais - as dificuldades que antes já eram enfrentadas pela comunidade se intensificaram ainda mais.

"As problemáticas de falta de segurança, de infraestrutura básica, de água, de esgoto e luz só pioraram. Há muitos moradores passando por necessidades alimentares e problemas psicológicos graves devido a situação da pandemia. Dentro do nosso núcleo, temos uma parte de atendimento para esses casos e há muita procura", explica.

Ainda segundo a educadora, foi realizado um trabalho de conscientização da população sobre a importância de medidas de higiene (lavagem das mãos e uso do álcool em gel), além de explicar de forma clara o que é pandemia e lockdown - palavras que ainda não estão inseridas no cotidiano dos habitantes. Além disso, o G10 Favelas ajudou a modelar um modelo de gestão de crise para atender à região implementando medidas como a iniciativa ‘Presidentes de Rua’ (moradores responsáveis pelo monitoramento das casas de cada via da comunidade) também devem conscientizá-los sobre tais medidas e os perigos de saírem sem máscara.

"O diferencial do G10 é que a entidade utiliza a experiência de estruturar ações em várias favelas do Brasil para ajudar a modelar medidas que tenham efeito dentro de cada território, mitigando impactos tanto na saúde quanto na economia local e fazendo acolhimento dos moradores em situação de maior vulnerabilidade", conta a professora.

No entanto, as estratégias de combate ao vírus não são suficientes frente à população que não tem dinheiro para comprar os produtos preventivos, sofre com a falta de saneamento básico e possui dificuldades de seguir o isolamento social, tanto à falta de espaço em casa quanto por precisarem manter o sustento de suas famílias.

4º ano do ensino médio deve ser opcional no estado

A comunidade conta com o Núcleo de Educação Comunitária do Coroadinho, uma associação sem fins lucrativos que trabalha levando oportunidades educativas há 6 anos para crianças, jovens e adultos da região.

As atividades envolvem a Creche e Escola Porta de Papel, que contém reforço escolar, aulas de inglês, cursos preparatórios, creche e pré escola; o Qualifica Mais Coroadinho, que oferece cursos profissionalizantes, treinamentos e encaminhamento profissional; o QG Digital, que qualifica jovens e adolescentes para oportunidades como jovens aprendizes; o Tijolinho Negro, com aulas de dança e capoeira, e muitas outras iniciativas.

No entanto, na atual situação, a educação de Coroadinho enfrenta problemas que afetam tanto os jovens quanto seus responsáveis. Todas as atividades estão fechadas por conta do decreto municipal. As escolas comunitárias da região têm um fórum composto pelos membros das mais de 20 instituições de ensino existentes no local. Segundo Christiane, que faz parte do grupo, as instituições sofrem com a falta de apoio governamental: têm materiais e móveis precários e a educação, que já era defasada, piorou após a pandemia. Os docentes têm se comunicado com os pais e alunos por ligação telefônica ou via mensagens de WhatsApp.

"O atraso já era grande na alfabetização das crianças e agora, o ano foi praticamente perdido. A esta altura, elas já deveriam ter desenvolvido algumas autonomias e habilidades, mas infelizmente não estão conseguindo diante dessa situação. Conseguimos enviar atividades somente para algumas delas e muitos pais não podem acompanhá-las por não entenderem as tarefas, pois cada um tem suas limitações. No caso dos pais que trabalham, não têm tempo de dar esse apoio aos filhos. Tudo isso gerou um grande impacto no aprendizado e no desenvolvimento das crianças. Ano que vem, o nosso trabalho será triplicado", explica Christiane.

Ainda segundo a educadora, os professores irão se reunir em breve com os responsáveis dos alunos para conversarem sobre futuro das aulas, pois por decisão do decreto, as instituições deverão fazer a reabertura no dia 6 de julho, o que implicará em muitas modificações no cotidiano escolar para a segurança dos estudantes e dos funcionários, como reduzir as turmas e o número de aulas, que passará a ser três vezes na semana, durante duas horas. As crianças deverão ser conscientizadas sobre a questão da Covid-19 através de ações educativas e lúdicas promovida pelas escolas, como o teatro. Será obrigatório o uso de máscaras.

Para os estudantes mais velhos, em 2021, a Secretaria do Estado da Educação do Maranhão (Seduc) vai implementar o 4º ano do ensino médio, que deve ser opcional. A medida visa a recuperação do conteúdo defasado e melhor preparo dos alunos para o vestibular, garantindo também o material didático e alimentação. O projeto já foi concluído pelo órgão e será encaminhado ao Conselho Estadual de Educação para regulamentação.

No entanto, com a falta de estrutura das escolas e as más condições dos alunos em se manterem com a rotina escolar por mais um ano, muitos jovens de Coroadinho não conseguirão usufruir do 4º ano do ensino médio.

"Além da falta de estrutura para estudarem e realizarem as tarefas em casa, os alunos têm como obstáculo o problema da violência, o que os impedem de irem de uma área para outra dentro da comunidade. Logo, eles são obrigados a estudarem no centro da cidade e muitos não têm dinheiro para o transporte. O governo deve pensar em como fazer esses alunos permanecerem na escola, com iniciativas como passe livre, bolsa alimentação e wi-fi liberado dentro da instituição para facilitar os estudos, porque não basta somente dar a oportunidade", explica Christiane.

Apesar da situação difícil, Christiane acredita que a pandemia serviu para que o panorama geral da educação no estado do Maranhão fosse observado com mais cuidado. Segundo ela, 80% dos alunos do ensino médio da rede pública não têm wi-fi em casa. Esses mesmos estudantes, muitas vezes, assistem às aulas de um celular utilizado por toda a família e não têm acesso a computadores. Todos esses fatores seriam agravantes para os alunos diante da decisão do MEC que inclui atividades à distância no calendário do ano letivo, fazendo parte da carga horário obrigatória.

"Em países vizinhos, como na Argentina, a escola fornece computadores para as crianças levarem para casa. Além disso, em algumas ruas o wi-fi é liberado. São fatores que fazem a educação ser mais desenvolvida nessa população", diz Christiane.

Sobre o G10 Favelas

O G10 é um bloco de líderes e empreendedores de impacto social formado pelas comunidades da Rocinha (RJ), Rio das Pedras (RJ), Heliópolis (SP), Paraisópolis (SP), Cidade de Deus (AM), Baixadas da Condor (PA), Baixadas da Estrada Nova Jurunas (PA), Casa Amarela (PE), Coroadinho (MA) e Sol Nascente (DF). O grupo atua no desenvolvimento econômico e social dessas áreas e incentiva seu morador a ser o protagonista de sua própria transformação. Sua proposta é inspirar o Brasil inteiro a olhar para a favela, tornando as Comunidades grandes polos de negócios, atrativo para investimentos e transformar a exclusão em startups e empreendimentos de impacto social de sucesso.

 

 

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