O outro lado da moeda: um olhar sobre o ensino particular no Maranhão
19/05/2020 07:01 em Política

Por: Rebecca Ferreira

A vida de Luma Fernandes mudou por completo com a pandemia do novo coronavírus. Mãe da Luna (4), que está no Infantil III, a fotógrafa, assim como milhares de brasileiros, teve o seu cotidiano alterado pela Covid-19, doença infecciosa que se propaga pelo ar e que tem como medida profilática o isolamento social.

Meses atrás, antes da pandemia chegar a São Luís, Luma tinha uma rotina pré-estabelecida: acordar, preparar o café da manhã e levar a filha para escola. Mas, desde de abril, as manhãs da família Fernandes passaram a ser diferentes, principalmente as da pequena Luna, que passou a assistir às aulas em um novo, porém já bem conhecido, ambiente: a própria casa.

Luma Fernandes e o marido precisaram se readaptar com a mudança na vida escolar da pequena Luna

“É uma grande mudança para todos nós. Como a turma dela ainda é de crianças, e têm um pouco mais de dificuldade de prestar atenção em uma aula online, a escola optou por utilizar o ensino delivery, em que mandam o material e nós montamos a aula com várias brincadeiras lúdicas e interativas. Estou me sentindo como uma professora de verdade, preparando aula e tudo”, revela a mamãe Luma Fernandes.

Com o isolamento social, mais de 1 milhão de ludovicenses precisaram se adaptar rapidamente à nova realidade; entre eles, estão alunos e professores de instituições de ensino privado, que buscam manter as atividades pedagógicas e, ao mesmo tempo, minimizar os impactos negativos na aprendizagem com as interrupções das aulas presenciais. Para isso, professores e coordenadores pedagógicos mergulharam, às pressas e correndo contra o tempo, na produção de materiais educativos, como as vídeo-aulas, para que os estudantes possam manter a frequência dos estudos em casa.

“Do dia para a noite, nossos professores viraram ‘youtubers’ e nossos coordenadores se tornaram editores de vídeo. Sem aviso prévio, tivemos que preparar aulas online e desenvolver um sistema de avaliação de aprendizado remoto. Tudo isso exigiu dos profissionais um estudo e um empenho quase que exclusivo”, comenta Felipe Mussalém, Diretor de Gente de uma escola particular na capital maranhense.

Diretor de Gente de uma escola particular, Felipe Mussalém

Uma nova realidade: empatia

A adaptação neste momento de crise é o que os especialistas chamam de resiliência, que pode ser definida como a capacidade do ser de se adaptar à mudanças. Porém, na prática, esse procedimento nem sempre é tão fácil e exige, muitas vezes, um esforço emocional e mental para lidar com o novo. Esse é exatamente o caso de uma professora do Ensino Fundamental I que dá aulas na escola onde Felipe Mussalém dirige. Ele conta que a educadora, após retornar de uma viagem pessoal, encontrou o novo cenário educacional já instalado, e para exercer a profissão, precisou adquirir habilidades em frente às câmeras; porém, no primeiro dia de ambientação, ficou tão nervosa, que acabou passando mal.

“Essa funcionária é nossa professora há oito anos, nunca tinha passado por uma situação como essa, tanto que teve alguns problemas no início. Mas, guerreira como é, batalhou e conseguiu se adaptar. Ela tem duas filhas e, às vezes, tem que sair de casa para dar aula, pois as filhas precisam usar o computador e celular para também acompanharem as atividades curriculares”, destaca Mussalém.

O diretor pondera que, mesmo diante de todo esse esforço pessoal e profissional, comum entre os educadores comprometidos, há situações complicadas, que põem à prova mais do que a competência das pessoas envolvidas no processo. “A professora estava liderando sua turminha de 3º ano do Ensino Fundamental, quando uma mãe tirou o seu filho da aula [transmitida online], ocupou o lugar dele e começou a fazer um protesto, reclamando de suas insatisfações para todas as crianças e outros responsáveis que ali estavam. A professora, fora tudo o que ela é obrigada a passar, ainda tem que lidar com o que não deveria ser da sua responsabilidade”, frisa o diretor da instituição.

As complicações e incertezas que aparecem neste momento tomam uma proporção muito maior quando se observa as Instituições de Ensino Superior. Com um formato diferente, as tão desejadas férias, que só são concedidas entre semestres (períodos), já não fazem parte dos planos de muitos educadores e alunos. É que os conteúdos, que às vezes precisam ser colocados em prática, não podem ser executados durante a quarentena, o que pode atrasar o calendário acadêmico e, consequentemente, o recebimento do diploma de graduação.

“Como não tenho internet em casa, as aulas online estão sendo um problema para mim, pois com o acesso limitado, acabei priorizando algumas disciplinas, o que vai acabar atrasando o meu curso”, afirmou Mateus Matos, estudante do sexto período do curso de Arquitetura e Urbanismo de uma instituição privada. ” Apesar desse problema e de não termos informações sobre as férias, sou muito grato a diversos professores que têm se empenhado bastante para continuar passando uma boa didática nesse período conturbado”, completou o jovem, que deveria se formar no primeiro semestre de 2022, e que já não tem certeza sobre a data da colação de grau.

Mateus Matos, estudante do sexto período do curso de Arquitetura e Urbanismo

Mudanças pedagógicas

Para responder às necessidades impostas pela crise e continuar a manter um ensino de qualidade, escolas e faculdades privadas tiveram que se reinventar não apenas na didática, mas também no próprio planejamento orçamentário, pois com o plano emergencial de ensino, foi preciso adquirir diversos novos suprimentos e equipamentos que possibilitassem a produção e o acesso aos conteúdos pedagógicos: celulares, computadores, câmeras, linhas telefônicas, além de material sanitário para quem atua administrativamente e, por isso, não pôde continuar trabalhando de casa. Para esses profissionais, há o investimento na proteção individual com máscaras, luvas e álcool em gel, entre outros.

“Em tempo recorde, implementamos 20 estúdios para gravação de vídeo-aulas pelas professoras das séries, bem como para a transmissão de aulas, em momentos simultâneos, dando a sensação de presença aos alunos e minimizando os efeitos negativos do distanciamento social”, informa Kelma Castro, diretora pedagógica de uma instituição especializada em educação infantil e fundamental.

Diretora pedagógica de uma instituição especializada em educação infantil e fundamental, Kelma

Inadimplência

Mas os esforços econômicos que estão sendo feitos já preocupam diretores e coordenadores, uma vez que as aulas presenciais estão suspensas por tempo indeterminado. Muitas famílias estão deixando de pagar as mensalidades, mesmo que os conteúdos estejam sendo passados por meio de aulas remotas.

“Com o início da quarentena, procuramos investir em uma assessoria especializada em tecnologia da educação, o que nos tornou uma escola online e remota em menos de 48h. Entretanto, estamos enfrentando um grande problema para receber as mensalidades e pagar os funcionários. Antes desta crise, a inadimplência girava entre 8% a 10%, já em abril, esse número foi para 40% e, infelizmente, estamos na expectativa que agora em maio esse número suba para 50%”, lamenta André Israel, diretor de uma escola de tradição cristã na capital.

André Israel, diretor de uma escola de tradição cristã em São Luís

O diretor tenta como pode sensibilizar os pais e responsáveis para solucionar o problema. “Caso não haja essa conscientização para entender que o ensino remoto é aula, teremos que demitir os colaboradores, que assim como todos, têm família para sustentar e obrigações a cumprir”, pondera o diretor André Israel.

Para Paulino Pereira, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Maranhão (SINEPE-MA), a implementação do ensino remoto, que precisou ser regularizado pelo Conselho Estadual de Educação, foi a melhor solução adotada pelas escolas diante desta situação. “O que nós fizemos foi lançar mão de uma modalidade que já existe para o ensino superior, que muitas escolas, em tempo recorde, com muita presteza, com muita dedicação dos seus diretores, coordenadores e professores, tiveram que implementar para que os alunos não ficassem sem qualquer atividade pedagógica. Todos nós fomos pegos de surpresa”, destaca o presidente.

O futuro é uma dúvida

Mesmo sem saber quais serão os próximos passos, as instituições de ensino já se  preparam, com otimismo, para o retorno das aulas presenciais. “Paralelamente às inovações no ensino remoto, estamos construindo um plano de contingência para o retorno às aulas presenciais, para que seja apreciado e compartilhado com as famílias no tempo oportuno, contendo todas as ações de segurança sanitárias essenciais para este tão aguardado momento”, anuncia Kelma Castro.

Com esperança e dedicação, uma nova história baseada no compromisso e no amor à educação vai surgindo. E, com ela, vêm o agradecimento e o apoio de quem está do outro lado, assistindo e acompanhando essa nova realidade. “Vivenciando essa rotina de auxiliar mais profundamente os estudos da minha filha, pude perceber como é um desafio para o professor, e agora admiro, ainda mais, quem consegue exercer esse papel com tamanha perfeição”, finaliza Luma, mãe de quem está apenas começando na longa estrada do saber

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