Kátia Abreu compara postura de Bolsonaro a 'filme de terror' e critica retrocesso
31/08/2019 06:57 em Política

Para a senadora Kátia Abreu (PDT-TO), a postura que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) adotou nestes primeiros oito meses de governo sobre o meio ambiente foi um retrocesso para o país. "Retroagir nesse debate de 15 anos atrás é viver um filme de terror", afirma a ex-ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Ela avalia que o presidente estimulou o aumento das queimadas na Amazônia e deu munição aos adversários comerciais do Brasil. Em sua opinião, a crise atual ameaça a ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

Candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes no ano passado, a parlamentar também foi presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e é uma ruralista que reformulou posições sobre a preservação ambiental.

Kátia Abreu passa esta semana na China, onde está com empresários brasileiros do setor varejista para conhecer tecnologias de comércio eletrônico.

UOL - Que responsabilidade o agronegócio tem em relação às queimadas na Amazônia?

Kátia Abreu - Tem toda [a responsabilidade], mas é preciso ficar muito claro que é uma minoria muito restrita [do setor]. De 90% a 95% dos produtores e da produção estão no Centro-Sul do país, a quilômetros da Amazônia.

Apenas meia dúzia de pessoas egoístas, que olham só para o seu umbigo, pessoas reacionárias, irresponsáveis e que não têm amor à pátria [praticam esse tipo de queimada]. Amor à pátria não é desmatar. Amor à pátria é cuidar dela, cuidar do desenvolvimento, do crescimento, do emprego, do equilíbrio e da imagem.

Um pequeno grupo de donos de terras age de forma precipitada, inconsequente e irresponsável e pode [fazer] naufragar o único segmento de sucesso no país, respeitado no mundo inteiro.

Jogaram às brasas a nossa imagem de sustentabilidade, que produz em uma área bem menor do que outros países produzem. Temos pesquisa e inovação da Embrapa, que nos ajuda a aumentar a produtividade sem desmate.

Jogaram às brasas, mas o agronegócio é uma fênix. Já superamos todos os planos econômicos desde a época da redemocratização. Quem pagou a conta de todos os planos de sucesso e de insucesso foi o agro. E não é dessa vez que não vamos ser a fênix e de novo ressurgir das cinzas.

A sra. descarta qualquer possibilidade de incêndios terem sido sabotagens praticadas por ONGs e fiscais do meio ambiente como foi insinuado nos últimos dias?

Cabe à Polícia Federal e ao Ministério Público investigar. Cabe a mim [considerar] o que eu ouvi e o que eu vi: os incentivos ao longo desses últimos oito meses ao que aconteceu agora. Não dou conta de falar quem fez e como fizeram. Não posso fazer ilações nem acusações sem provas. Agora que o Bolsonaro estimulou, estimulou.

O agronegócio brasileiro terá prejuízos no curto prazo?

Se o Bolsonaro não tiver uma atitude muito clara para o mundo, com uma imagem de proteção ambiental, isso tudo pode se transformar no que muitos inimigos comerciais do Brasil querem. É tudo que eles precisam para retaliar o país.

O presidente está dando argumentos aos adversários comerciais do Brasil a encontrar situações para nos prejudicar no mercado internacional. Ele não vê isso. Mais forte do que tudo é o comércio, são os interesses econômicos e financeiros.

O Bolsonaro pode dizer que é exagero, que as ONGs puseram fogo, pode dizer o que ele quiser. Se o Bolsonaro continua com esse discurso, ele está dando margem para evitar, por exemplo, o acordo do Mercosul com a União Europeia. Se isso não impedir que esse acordo aconteça, [se não houver] um rompimento definitivo, no mínimo um atraso de cinco, seis anos poderá acontecer.

Como a sra. avalia o comportamento do governo diante da repercussão internacional das queimadas na Amazônia?

O governo parece que tem tentado recuar, mas ele tem muita dificuldade em recuo. Até o recuo é um pouco destrambelhado, um recuo mal feito.

O agronegócio assustou-se, não imaginou e não esperava a repercussão no mundo e viu que poderia ter prejuízos. O órgão mais sensível do corpo humano é o bolso. [Os produtores] trabalharam para o recuo do governo. Poderia ter sido um recuo melhor, mais formal, com mais humildade. Isso não seria humilhação nem demérito para ninguém. Muito ao contrário. É um sinal de grandeza.

[O governo brasileiro] Fica ainda batendo boca com o presidente de outros países. O problema não é deles, o problema é nosso. Nós é que temos que resolver esse problema. Esquece o que fulano está falando. Vamos fazer o nosso dever de casa. Se a gente se comportar de maneira civilizada, tudo dá certo.

Não precisa bajular ninguém nem sucumbir a ninguém. Apenas tomar uma atitude civilizatória. A questão ambiental é uma bandeira da humanidade. Há muito tempo não é mais uma bandeira de esquerda, direita ou centro.

As declarações do presidente da França, Emmanuel Macron, sobre a possibilidade de uma gerência internacional da Amazônia dão munição a Bolsonaro e ajudam o governo a reafirmar as posições anteriores?

O Bolsonaro foi muito agressivo com o Macron, mas o Macron também está passando um pouco do limite. Tem outros instrumentos mais apropriados para uma retaliação do que ameaçar a soberania do país na Amazônia. Isso não é um comportamento de estadista.

Ele pode retaliar de outras formas. Retaliar do ponto de vista comercial é um direito e uma prerrogativa dele.

Quais são os erros do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente e à Amazônia?

São todos. A verbalização, a verborreia com relação a esse assunto, a truculência, o exagero, o desequilíbrio, como se a gente tivesse lutando contra o meio ambiente. O pior de tudo é que um debate desses me reporta a 15 anos atrás, quando eu tinha esse discurso. Há 15 anos, todos [os produtores] tínhamos esse discurso. Alguns se calaram, outros evoluíram, outros aceitaram como uma recomendação da ciência.

Retroagir nesse debate de 15 anos atrás é viver um filme de terror para mim. Sofri demais com esse debate. Ter que discutir isso de novo é o fim da picada.

A sra. vê um retrocesso?

Total. Volta ao túnel do tempo. Entrei na máquina e voltei. Não acredito que estou debatendo isso. Pensei que isso estivesse literalmente superado.

Você tem todo o direito de ter uma fazenda na Amazônia e desmatar 20% da área. Tem que deixar 80% em pé. Se não concorda com a lei, tem duas opções: lutar no Congresso com seus parlamentares para mudar a lei ou arruma suas malas, vende a fazenda e vai para outro lugar. Você tem opções.

Agora tentar destruir o país por causa de meia dúzia de hectares que a lei não permite desmatar, aproveitando meia dúzia de palavras do presidente para fazer o que fizeram? Tem dó. É uma irresponsabilidade total.

A sra. mudou de opinião sobre a preservação ambiental nos últimos anos e outros também mudaram. A sra. acha que o presidente Bolsonaro pode mudar de opinião?

A gente tem duas opções na vida em qualquer circunstância: ou você muda pela dor ou pelo amor.

Basta querer escolher de forma inteligente ou continuar um reacionário, preconceituoso, burro, ignorante e ir pela dor sempre. Eu procuro o caminho pelo amor, pela ciência, a tecnologia, discutindo, debatendo.

É isso que faz com que o mundo caminhe para a civilização. Um retrocesso civilizatório é inadmissível.

O que deve ser feito para o país recuperar a imagem no exterior?

No primeiro momento, tem que ter uma penalização sumária [dos responsáveis], de acordo com a lei. Existem penalidades duríssimas com relação a isso [às queimadas]. Se foi uma ação premeditada e calculada para esse fim, é um crime de banditismo, de formação de quadrilha.

Temos as queimadas acidentais e as provocadas com a intenção de formar um pasto, por exemplo. Agora, se foi uma indução criminosa para ter uma ação contra as ONGs e a legalidade do país, merece uma punição muito maior. Sem dó nem piedade.

Isso não se faz. Eles foram inconsequentes. O reacionarismo e a passionalidade cegaram essas pessoas e deram vazão a essa truculência. Não estou preocupada só com a opinião pública internacional, estou preocupada com a opinião dos brasileiros, que têm um amor especial pela Amazônia.

Estou preocupada com a Amazônia, que gera chuvas no país. Aprendi isso em 2009 com a Embrapa e desde então a gente [o agronegócio brasileiro] vem mudando de atitude e melhorando a nossa performance.

O governo rejeitou os recursos da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia. Como o governo deveria ter lidado com esse fundo?

O que é o essencial é que todo esse ativo ambiental tenha valor no mercado internacional. O Fundo Amazônia era um símbolo disso, de aumentar a captação.

Se sou presidente da República, eu ia pegar esse fundo, colocar a Noruega no braço direito, a Alemanha no braço esquerdo e ia rodar o mundo. "Vamos embora, gente, mais recursos para esse fundo". Porque temos que indenizar os produtores que não podem desmatar e que estão vigiando a floresta.

Ao destruir o Fundo Amazônia, ele [Bolsonaro] perdeu o discurso de buscar recursos para a compensação ambiental. Ele jogou no lixo o ativo que temos.

Não significa que não pode começar tudo de novo, mas [o governo] perdeu uma grande chance de aumentar esses recursos, de forma prática, objetiva e com resultado.

As informações são do portal UOL

COMENTÁRIOS