Câmeras registraram encontro entre empesário e delegado suspeito de concussão (Foto: Reprodução)
Juiz palmense impõe medidas a Clovis Bueno, mantido aafastado do cargo e com recolhimento noturno. Defesa afirma que não há indícios dos crimes imputados ao servidor
Por determinação da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Tocantins, em habeas corpus, o delegado de Polícia Civil de Santana do Araguaia (PA) Clovis Cesar Reis Bueno, de 45 anos, está solto.
Ele estava preso no Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Tocantins, em Palmas, e virou réu na ação penal assinada pelo promotor João Edson de Souza, que o acusa de concussão (propina cobrada em razão do cargo).
O juiz responsável pela ação criminal, Cledson José Dias Nunes, assinou a ordem de soltura do delegado e impôs medidas:
- o delegado está afastado do exercício da atividade pública como delegado de polícia;
- Clóvis Bueno está proibido de manter contato com as pessoas vinculadas aos fatos sob investigação criminal e deve comparecer a todos os atos processuais;
- ele também deve ficar recolhido em casa durante o período noturno e nos dias de folga. Caso descumpra alguma medida terá sua prisão preventiva decretada, segundo afirmou o juiz na decisão.
A resposta formal do delegado à Justiça
Após ser solto, o delegado apresentou sua defesa prévia na ação e pediu a improcedência da denúncia.
Para defesa a ação ministerial deve ser julgada improcedente. Entre os pontos, os advogados Arthur Del Biancho Camtio, Leonardo Braga Duarte, Alessandro Roges Pereira e Cleo Reis Bueno, não há nenhum elemento com indícios mínimos da suposta organização criminosa apontada na denúncia ou que demonstre concurso de agentes.
Também afirmam que não há individualização da conduta do delegado em relação ao crime e sem "mencionar quem seriam os outros membros". Para a banca de advogados, é "impossível ao réu exercer o contraditório e a ampla defesa em sua plenitude".
Os advogados também afirmam que as armas de fogo que estavam com o delegado são de uso funcional, instrumentos de trabalho, e com porte concedido pela função que ele exerce.
A defesa chama de "ilação" a parte da denúncia que imputa ao delegado o uso das armas funcionais para "coerção" do empresário. "A suposta vítima em momento algum narra que o paciente teria sacado alguma arma para si ou apontado exigindo supostos valores para a liberação de um caminhão", afirmam.
Eles também afirmam que discutirão o mérito da acusação de concussão durante a instrução criminal, mas pedem, preliminarmente, o trancamento da ação penal com a rejeição da denúncia ministerial.
Investigação sobre ligações entre vítima e delegada
Em outro trecho, a defesa considera a gravação do flagrante ilícita e faz diversos pedidos para que a Justiça determine cumprimento. Um dos pedidos é a extração dos dados das conversas mantidas entre o empresário e uma delegada da Polícia Civil do Tocantins.
A quebra dever ser do telefone pessoal dos dois e do celular institucional da Polícia Civil do Tocantins. Segundo a defesa, o empresário afirma que teria entrado em contato telefônico com a delegada e ela o teria instruído "a respeito de como proceder nas gravações".
Também pedem o histórico de ligações feitas entre os dias 5 e 7 de novembro, no aplicativo WhatsApp e ligações pela operadora entre os dois. Outro pedido é a quebra do sigilo telefônico do número do empresário entre 5 e 6 de novembro deste ano. A catalogação e perícia da numeração de série das cédulas apreendidas e das que aparecem no vídeo gravado pelo empresário também é requerida pela defesa.
Relembre a denúncia
A denúncia reafirma o que a Divisão Especializada de Repressão à Corrupção de Palmas investigou e publicou no relatório final do inquérito. A Polícia Civil do Tocantins indiciou o delegado por concussão, crime previsto no artigo 316 do Código Penal, quando um funcionário público exige vantagem indevida para si ou para outra pessoa, de forma direta ou indireta, em razão da função pública que exerce.
No caso, ao delegado é imputada a cobrança de R$ 15 mil para a liberação de um caminhão de um empresário de Palmas que saía de Santana do Araguaia para Palmas carregado de silagem e dirigido por um adolescente, sem habilitação. Na cabine do caminhão, os policiais militares do Pará afirmam ter encontrado dois papelotes de cocaína e dois comprimidos de rebite. A apreensão ocorreu no dia 5 de novembro.
Segundo a denúncia, um investigador da Delegacia de Santana do Araguaia, que assumiu o flagrante da apreensão, ligou para o empresário e disse que o caminhão só seria liberado se ele procurasse uma advogada indicada por eles. A advogada que o empresário pediu para acompanhar a apreensão “só complicava as coisas”, diz a denúncia.
Esta advogada confirmou ao empresário a negociação intermediada por ela. Em seguida, o mesmo investigador paraense orientou o empresário a ligar diretamente para o delegado, identificado no diálogo como "01".
No dia seguinte, o delegado ligou para o empresário e confirmou um primeiro encontro próximo a uma clínica em Palmas, onde dialogavam dentro do carro do empresário, uma Ford Ranger cor chumbo, firmando o valor da propina em R$ 7,5 mil.
Para o promotor, o modo de operação "demonstra que existe um esquema organizado de extorsão de pessoas, onde temos uma advogada e outros servidores públicos que atuam de forma organizada, sob gerência de outro um agente público, que ao tudo indica controla a atuação do ora denunciado", sustenta João Edson.
A promotoria inclui na denúncia imagens dos encontros e do dinheiro sacado pelo empresário no banco de modo a registrar o número de série de cada anota. O dinheiro saiu em dois saques, um de R$ 3 mil no terminal e outro de R$ 4,5 mil em saque avulso.
Após reunir o dinheiro, o empresário vai até o estacionamento do hotel onde se hospedara o delegado. Clovis entra novamente na picape do empresário, onde é gravado pelo celular do interlocutor. O delegado faz um telefonema, autoriza a liberação do caminhão e sai do carro com um envelope branco na mão em direção ao hotel, quando fecha a comanda às 14h19min19seg, conforme cupom fiscal do consumo incluído na denúncia.
Depois, o empresário registra o Boletim de Ocorrência n.º 101100/2023 na Polícia Civil, que aciona a Polícia Militar e o delegado é interceptado em Caseara, divisa com o Pará, com armas, inclusive uma da corporação em que atua, além de R$ 8,6 mil.
Na época, o delegado negou o crime aos policiais do Tocantins, mas teve o flagrante convertido em prisão preventiva e passou pelo presídio de Cariri antes de ser transferido para Palmas.
Além da condenação às penas de prisão, que vão de 2 a 12 anos, mais multa, conforme o Código Penal, o promotor pede ainda que a sentença do juiz fixe um valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, inclusive morais, considerando os prejuízos sofridos pelo empresário.
Investigação dos demais suspeitos
Após o indiciamento do delegado por concussão, a Divisão Especializada de Repressão à Corrupção de Palmas abriu outra investigação para confirmar que há um esquema de organização criminosa em torno do modo de operação do delegado com a participação de outras pessoas, citadas no inquérito original, que tramita sob segredo de Justiça. Ainda não há relatório final nem indiciamento de outros suspeitos.
Empresário fotografou o número de série do dinheiro sacado (Foto: Reprodução)
Fonte: Jornal do Tocantins