Juiz torna réus Carlesse, sobrinho e filha do ex governador, ex servidores e empresários
Política
Publicado em 04/09/2022

Denúncia do Gaeco recebida pelo juiz Rafael de Paula acusa grupo de organização criminosa, cobrança de propina e lavagem de dinheiro do Plansaúde

 

O ex-governador do Tocantins Mauro Carlesse (Agir) constituiu e integrou uma organização criminosa para cometer corrupção passiva majorada, por 14 vezes e lavar dinheiro recebido indevidamente de hospitais e empresas de saúde do Tocantins que tinham convênio com Plano de Assistência à Saúde dos Servidores do Tocantins (Plansaúde) por 21 vezes.

 

Esta é a síntese da denúncia de um grupo de promotores, inclusive do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Tocantins (MPTO) recebida pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula na tarde de sexta-feira, 2 de setembro.

 

A denúncia é baseada na Operação Hygea, deflagrada em outubro do ano passado e, segundo a denúncia, também se fundamenta em buscas e apreensões, análises de conteúdo de equipamentos eletrônicos dos réus, análise de dados bancários de contas dos alvos e de contas de empresas e pessoas físicas utilizadas pelos denunciados. Também há informações do COAF e provas compartilhadas referentes a investigações da Polícia Federal realizadas no inquérito da Operação Assombro, que investigava servidores fantasmas e resultou em uma denúncia contra Carlesse e aliados.

 

Além de Carlesse estão no banco dos réus na mesma ação, a filha do político Dayana Kiriliuk Carlesse Alves, o ex-secretário de Estado de Parcerias e Investimentos e sobrinho de Mauro Carlesse, Claudinei Aparecido Quaresemin. Carlesse e Quaresemim são apontados como o núcleo de comando da organização criminosa.

 

Outros alvos são diversos empresários, apontados como operadores financeiros que atuavam como cobradores diretos das propinas, ex-servidores do político. De acordo com a denúncia, revelada pelo Estadão na sexta-feira, a suposta organização também contava com uma então secretária de Carlesse, Gabriela Almeida Carvalho, que teria movimentado valores inclusive em espécie e efetuava depósitos e transações com dinheiro dos envolvidos.

 

Os empresários estão denunciados como operadores do suposto esquema que mirava a cobrança de vantagens indevidas de hospitais privados que atendiam ao plano com mais de R$ 561 milhões a receber do governo, entre os anos de 2018, quando Carlesse assumiu o Executivo e 2020.

 

Como funcionava o esquema, segundo a denúncia

De acordo com a denúncia Carlesse e Claudinei, como núcleo de comando da suposta organização criminosa, usavam o mecanismo de deixar de efetuar pagamentos, atrasá-los sistematicamente e realizar glosas (cortes) de altíssimos valores devidos pelo Plansaúde às empresas do ramo hospitalar e saúde fornecedoras do Plansaúde. Para isto, contavam com os serviços do ex-secretário Neyzimar Lima e dos servidores de alto escalão Dilma Moura e Ineijaim Siqueira. Pelo esquema, somente hospitais fornecedores que pagassem propina recebiam os créditos.

 

Dilma Caldeira Moura, cunhada de Neyzimar era quem efetuava ou não os pagamentos conforme determinavam o comando, segundo a denúncia.

 

Rodrigo Assunção, o Bola, ex-assessor especial do Gabinete do Governador funcionava com chefe ou supervisor dos particulares que atuavam cobradores de propinas, os “operadores financeiros”: Benedito Dilson dos Santos Gomes, "Papinha"; Ramos Farias e Silva Filho; Rômulo Bueno Marinho Bilac e Diego Augusto de Souza Honório.

 

De acordo com a denúncia, os operadores financeiros dissimulavam as propinas com emissão de notas fiscais fraudulentas para os hospitais, sem a entrega dos produtos discriminados nas notas, o que é apontado como a primeira camada de crimes de lavagem de dinheiro. "O recebimento das propinas em contas das empresas usadas pelos operadores financeiros ou de pessoas físicas ocorria por transferências eletrônicas (TEDs), cheques e outras operações bancárias", afirmam os promotores.

 

Outro réu, o ex-secretário Extraordinário de Ações Estratégicas Keliton Barbosa tinha a função de movimentar altas somas de dinheiro da corrupção por meio de operações de depósito de acordo com os interesses de Carlesse e Quaresemin, de acordo com a denúncia.

 

Movimentação das propinas com o Oswaldo Cruz

Dos R$ 4.935.661,60 pagos ao Hospital Oswaldo Cruz em 4 de junho de 2018, R$ 198.504,50 acabaram cobrados como propina por Benedito Papinha e Ramos e Farias, segundo a denúncia.

 

De R$ 2.979.259,40 pagos ao Oswaldo Cruz, no dia 6 de julho de 2018, R$ 119.300,00 foram pagos a Rômulo Bueno em propinas. De R$ 2.092.393,68 pagos ao Oswaldo Cruz no dia 13 de agosto, Rômulo Bilac recebeu R$ 95.750,00

 

De R$ 2.798.379,94 pagos ao Oswaldo Cruz dia 20 de agosto de 2018, geraram cinco cheques que somaram R$ 112.660,00 de propinas, pagos para a empresa de Rômulo Bilac, e de lá saíram para uma conta em nome de Diego Honório.

 

No dia 19 de julho de 2018, quando o Plansaúde pagou R$ 3.838.014,08 ao Oswaldo Cruz, gerou uma propina de R$ 164.288,00 pagos para outra empresa de Bilac, a FTTO, em cinco cheques, três deles acabaram depositados em contas de Diego Honório.

 

No dia 25 de julho de 2018, do valor de R$ 1.747.529,07 pagos ao Hospital Oswaldo Cruz, a propina teria sido de R$ 69.900,80, pagos em quatro cheques para a FTTO e um deles acabou depositado na conta de Diego Honório.

 

Em dez de abril de 2019, quando o estado pagou R$ 2.952.692,71 ao hospital, a propina de R$ 236.839,96 pagas para a FTTO, em quatro cheques compensados, R$ 83 mil foram transferidos para a conta de Diego Honório e R$ 23 mil sacados em espécie.

 

Movimentação das propinas com o Santa Thereza

Para outro hospital, o Santa Thereza e a UTI Santa Thereza, do mesmo grupo gerenciado pelo empresário Marco Antônio, entre maio e junho de 2018, o governo pagou R$ 6.781.942,50 para o Hospital. Desse montante, a propina cobrada foi de R$ 433.985,52, segundo os promotores. O dinheiro foi fracionado em seis transferência para um primo de Diego Honório, dono de uma empresa de engenharia.

 

O mesmo hospital recebeu mais R$ 2.451.115,22 em julho de 2018 e pagou R$ 237.089,16 para Diego Honório, em duas transferências para contas da empresa de engenharia do primo dele.

 

Outro pagamento indevido de R$ 116.077,12 para o mesmo empresário é citado na denúncia referente ao pagamento de R$ 1.134.514,51 para o mesmo hospital Santa Thereza, também transferidos para a conta da empresa de engenharia indicada por Diego Honório.

 

Em outubro de 2018, o valor da propina apontado é de R$ 140.048,72 pagos pelo Hospital Santa Thereza para receber R$ 1.352.375,98 do Plansaúde. Neste caso, a propina teria sido fracionada em 3 transferências no mesmo dia para contas bancárias de Diego Honório.

 

Outra propina de R$ 163.139,25, segundo a denúncia, foi paga por Marco Antonio de Sousa, gestor do Hospital Santa Thereza, em três transferências no dia, para contas bancárias da empresa de engenharia do primo de Diego Honório para recebe R$ 2.029.831,97 do governo Carlesse.

 

Ainda em outubro de 2018, mais R$ 16 mil foram pagos pelo hospital a Diego Honório para que o hospital recebesse de R$ 593.117,39 do Plansaúde. O valor foi transferido em três operação para contas de Diego Honório.

 

Seis propinas passaram pelas contas do empresário Diego Honório, segundo a denúncia, com os valores de R$ 433.985,52, de R$ 237.089,16, outra de R$ 116.077,12, mais uma de R$ 140.048,72, uma quinta de R$ 163.139,25 e a sexta de R$ 16.000,00. Um planilha encontrada pela PF em endereços dele mostra a relação de dívidas do Plansaúde entre 2018 e 2019 listando hospitais e os valores a receber. Segundo a denúncia, o documento comprova que o empresário, sem vínculo com o serviço público, era a pessoa incumbida de cobrar as propinas dos empresários credores do Plansaúde.

 

Movimentação das propinas com a Unimed Centro-Oeste

Da Unimed Centro-Oeste, conforme a denúncia, foram pagos R$ 250 mil de propina por Gilmar Braz da Rocha, contador e coordenador de operações da Unimed CentroOeste e Tocantins no dia 27 de agosto de 2018, para Diego Honório, por meio das contas da empresa de engenharia do primo do empresário. A cobrança indevida ocorreu para a liberação de R$ 1.000.000,00 pelo governo.

 

De acordo com a denúncia, a propina correspondia a 4% ou 10% dos valores pagos aos hospitais. A soma das transações pagas como propinas reportadas na denúncia é quase R$ 5 milhões.

 

Rastros da lavagem de dinheiro

A denúncia descreve ainda sucessivos depósitos, em dinheiro feito pelos operadores nas contas de Carlesse. Uma delas é de R$ 510 mil feitas por Keliton Barbosa. Também fez mais um depósito de R$ 200 mil e outro de R$ 250 mil em setembro de 2018.

 

Em junho daquele ano, a secretária Gabriela fez três depósitos de R$ 60 mil e outro de R$ 165 mil nas contas de Carlesse. Uma pessoa não identificada também fez, em maio daquele ano, 12 depósitos de R$ 5 mil, em dinheiro, um total de R$ 60 mil nas contas de Carlesse.

 

Em março do ano passado uma assessora de Carlesse fez um depósito em dinheiro de R$ 200 mil nas contas do político.

 

Pelas contas da filha de Carlesse, a denúncia aponta depósitos entre abril e novembro da quele ano de R$ 2.357.373,00, que não condizem com sua renda dela declarada.

 

Sobre Claudinei, a denúncia cita R$ 300 mil realizados em 10 operações bancárias realizadas na conta de um trabalhador braçal de origem haitiana registrados em um computador apreendido na casa do exsecretário.

 

Sobre a ex-subsecretária do Tesouro, Dilma Moura, a denúncia cita uma mansão localizada no terreno dela em Luzimangues em construção. Durante o período da obra. apurado por imagens de satélite, estava avaliada em R$ 1,2 milhão. Do valor, somente 12,7%, isto é R$ 153.372,13, teria sido pago com os débitos na conta da sevidora. Para o MP, mais de R$ 1 milhão foi pago de "outra maneira, ao que tudo indica em dinheiro vivo."

 

Os empresários donos do Hospital Oswaldo Cruz não foram denunciados, segundo o MPTO, por terem feito colaboração espontaneamente, o que permitiu que a PF desbaratasse o suposto esquema. "Os colaboradores não era líderes da organização, mas ao revés, empresários que foram abordados pelos agentes públicos corruptos e seus emissários e, foram eles os primeiros a prestar efetiva colaboração", escrevem.

 

Não há advogados vinculados aos réus no sistema processual desta ação. A reportagem acionou o advogado Nabor Bulhões para saber se ele defenderia Carlesse também nesta ação, mas não houve retorno. O espaço está aberto para manifestações dos réus.

 

Denunciados e imputações

 

Ex-governador Mauro Carlesse

- constituição e integração de organização criminosa, agravada e majorada

- corrupção passiva majorada por 14 vezes;

- lavagem de dinheiro por 21 vezes

 

Dayana Kiriliuk Carlesse Alves, filha de Carlesse

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- lavagem de dinheiro por 3 vezes

 

Claudinei Aparecido Quaresemin, exsecretário de Estado de Parcerias e Investimentos e sobrinho de Mauro Carlesse

- constituição e integração de organização criminosa, agravada e majorada

- corrupção passiva majorada por 14 vezes

- lavagem de dinheiro por 15 vezes

 

Neyzimar Cabral de Lima, ex-secretário de Administração

- constituição e integração de organização criminosa, agravada e majorada

- lavagem de dinheiro por 7 vezes

 

Dilma Caldeira de Moura, ex-subsecretária da Fazenda e cunhada de Neyzimar Cabral de Lima

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- corrupção passiva majorada por 14 vezes

- lavagem de dinheiro por 15 vezes

 

Ineijaim José Brito Siqueira, o ex-diretor de Gestão do PlanSaúde e ex-secretário executivo de Administração

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- corrupção passiva majorada por 14 vezes

- lavagem de dinheiro por 14 vezes

 

Rodrigo Assumpção Vagas, ex-assessor especial do Gabinete do Governador

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- corrupção passiva majorada por 14 vezes

- lavagem de dinheiro por 14 vezes

 

Keliton de Sousa Barbosa, ex-secretário Extraordinário de Ações Estratégicas

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- lavagem de dinheiro por 1 vez

 

Gabriela Almeida Carvalho, ex-secretária de Carlesse

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- lavagem de dinheiro por 4 vezes

 

Benedito Dilson dos Santos Gomes, empresário

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- corrupção passiva majorada 1 vez

- lavagem de dinheiro 1 vez

 

Ramos Farias e Silva Filho, empresário

-Constituição e integração de organização criminosa majorada

- corrupção passiva majorada 1 vez

- lavagem de dinheiro 1 vez

 

Rômulo Bueno Marinho Bilac, empresário

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- corrupção passiva majorada por 6 vezes

- lavagem de dinheiro por 6 vezes

 

Diego Augusto de Souza Honório, empresário

- constituição e integração de organização criminosa majorada

- corrupção passiva majorada por 11 vezes

- lavagem de dinheiro por 11 vezes

 

Marco Antonio de Sousa, empresário

- integração de organização criminosa majorada

- corrupção ativa majorada por 6 vezes

- lavagem de dinheiro 6 vezes

Gilmar Braz da Rocha, contador e então coordenador de operações da Unimed Centro-Oeste e Tocantins

- integração de organização criminosa majorada

- corrupção ativa majorada por 1 vez

- lavagem de dinheiro 1 vez

 

Fonte: Jornal do Tocantins

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