Bióloga do Tocantins recomenda a apreciação e registro de botos a distância
08/02/2022 12:18 em Política

Com estudos em andamento, mesmo ao aparentar comportamento dócil, a reação de um animal silvestre é imprevisível

 

Cleide Veloso/Governo do Tocantins 

A presença de um agrupamento de botos do Araguaia, nome científico Inia araguaiaensis, próximo às margens do rio Tocantins foi registrada recentemente, por moradores de Miracema, no último dia 1º de fevereiro, nas proximidades da praia do Funil. Com estudos sobre boto em andamento, a bióloga Loise Schmitz Zem, que vem se especializando em Perícia e Auditoria Ambiental, recomenda a apreciação e o registro de agrupamento da espécie a distância.

“Os botos geralmente possuem hábitos solitários, a aparição dessa espécie para banhistas e navegadores é considerada relativamente rara, geralmente os agrupamentos ocorrem em momentos de alimentação, reprodução e principalmente, entre mães e filhotes, no período de amamentação. Então, mesmo ao aparentar comportamento dócil, a reação de um animal silvestre é imprevisível”, explica a bióloga. 

Também chamados de golfinhos do rio, as espécies encontradas na bacia Tocantins-Araguaia receberam o nome de boto do Araguaia e nome científico Inia araguaiaensis. “O gênero Inia possui características diferentes dos demais golfinhos, como um tamanho corporal maior, nadadeira dorsal alongada e curva, dentição heterodonte, vértebras especializadas que os possibilitam uma maior flexibilidade para nadar em áreas de floresta alagada”, pontua Loise Zem sobre as características físicas comuns aos botos desse gênero.

Segundo a bióloga, os botos costumam se alimentar de alguns tipos de peixes encontrados nas bacias do território tocantinense. “Esses golfinhos do rio se alimentam de espécies como mapará, barbado, corvina, mandi-moela e, por sua vez, os botos são considerados animais de topo de cadeia, então não há nenhum tipo de predador natural, a não ser o homem”, conta Loise Zem ao enfatizar que esses animais são importantes para o equilíbrio ambiental, pois contribuem com o controle populacional das demais cadeias alimentares que estão abaixo dele.

Contudo, resultados de outros estudos devem ser considerados. “Como não têm dados específicos da espécie de boto do Tocantins é levado em consideração o gênero. Com a entrada do boto de nome científico Inia geoffrensis na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), em 2018, as espécies do gênero Inia foram considerados em perigo de extinção”, relata Loise.

“Vale ressaltar que no Tocantins não há nenhum registro de captura ou caça, para fins de comercialização ou de consumo da carne do boto. No Pará, existem relatos que indicam a utilização da genitália e dos olhos do animal, para montar amuletos de cunho religioso e cultural. Já na Amazônia o Inia geoffrensis sofre com a matança ilegal, para o uso de sua carne como isca na pesca de piracatinga”, acrescenta a bióloga.

Os estudos sobre a espécie são escassos e, por isso, ainda não há uma estimativa populacional do boto no território tocantinense. “Apesar de ainda não termos um censo da quantidade de indivíduos do boto do Araguaia no Tocantins é possível encontrar esse animal em pequenos rios que estejam diretamente ligados ao rio Tocantins e ao rio Araguaia, geralmente quando essa espécie sai em busca de maior disponibilidade de alimento”, afirma. 

“O aparecimento público desses animais, neste período do ano, tem relação com a redução das atividades humanas nessas localidades, como a movimentação de banhistas e embarcações, o que proporciona maior liberdade ao animal para estar navegando e a maior disponibilidade de alimento nessa época de cheia. Embora os botos sejam inofensivos aos humanos, ao encontrá-los em seu habitat natural, não devemos, em hipótese alguma, entrar em contato com eles. Qualquer interação humana com um animal silvestre pode ser prejudicial à espécie. A única atitude positiva é realizar um registro de lembrança a distância”, reitera a especialista.

Pesquisa

“Até meados de 2014 acreditava-se que o boto era uma espécie única e específica da Bacia Amazônica. Estudos liderados por especialistas de instituições da região amazônica comprovaram a desconexão das duas bacias hidrográficas e a descoberta da espécie Inia araguaiaensis, de ocorrência comprovada nos trechos entre os barramentos da Usina Hidrelétrica do Lajeado e da Usina de Peixe Angical e, posteriormente, reconhecido em outros trechos ao longo de toda a extensão da bacia Tocantins-Araguaia”, descreve Angélica Beatriz Corrêa Gonçalves, bióloga e inspetora de Recursos Naturais do Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins).

“A partir da descoberta dessa nova espécie de boto em território tocantinense, reiteramos que esse resultado evidencia a importância e a necessidade de ampliar e aprofundar os estudos a respeito do Inia araguaiaensis, bem como de todo o ecossistema envolvido em sua área de vida. Como recentemente, durante o I Seminário de Pesquisa e Biodiversidade do Tocantins, iniciativa liderada pelo Naturatins em parceria com o Núcleo de Pesquisa, Extensão e Práticas Jornalísticas da Universidade Federal do Tocantins, oportunidade em que, entre outros, foi apresentado o resumo do estudo que traz a Análise Cienciométrica dos Botos (Inia spp.) na Bacia Tocantins-Araguaia, disponível nos anais do evento”, conclui a bióloga do Naturatins.

Um estudo mais recente sobre a espécie, fruto de uma parceria entre o Instituto Mamirauá, a World Wide Fund for Nature (WWF-Brasil) e a Secretaria do Meio Ambiente do Goiás, foi realizado em 2021, percorrendo desde a nascente do rio Araguaia ao seu limite. Conforme a bióloga Loise Zem, este estudo buscou verificar a amostra populacional desses botos no rio Araguaia, no entanto, os resultados ainda não foram divulgados.

Centro de Fauna

Sob a administração do Naturatins, por meio da Gerência de Pesquisa e Informação da Biodiversidade (GPIB), o Centro de Fauna do Tocantins (Cefau) tem o objetivo de garantir a proteção da fauna silvestre por meio da operacionalização de ações de assistência aos animais que se encontram em perigo iminente, e de ações socioambientais e educativas, que vislumbra a prevenção da saúde da população e o combate ao tráfico de animais.

Para contato com o setor de Fauna, o Naturatins disponibiliza o telefone (63) 3218.2677 e o e-mail fauna@naturatins.to.gov.br.

Para o resgate de animais silvestres, em território tocantinense, entre em contato com o Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) através do telefone 190 ou com a Guarda Metropolitana Ambiental (GMA) através do telefone 153.

Para consultar o resumo da Análise Cienciométrica dos Botos (Inia spp.) na Bacia Tocantins-Araguaia, acesse a página 30 dos Anais do I Seminário de Pesquisa e Biodiversidade do Tocantins disponível no Repositório da UFT.

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