FONTE: FOLHAPRESS
Quase dois anos após o início do governo, a gestão Lula (PT) prepara a expulsão de garimpeiros invasores da Terra Indígena Mundurucu, no sudoeste do Pará. O território é um dos três mais invadidos no país para a exploração ilegal de ouro.
A desintrusão, como é chamada a retirada de invasores do território tradicional, está prevista para ter início em meados deste mês e duração de 90 dias. Depois, o plano inclui vigilância permanente para manter a terra indígena livre de grupos de garimpeiros.
A ação do governo federal atende a uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que ordena, desde o governo Jair Bolsonaro (PL), a retirada de invasores dos territórios.
A terra Mundurucu é uma das mais populosas do país, com 9.257 indígenas mundurukus e apiakás em 150 aldeias.
A invasão de máquinas e acampamentos do garimpo num lugar de difícil acesso, dependente do transporte pelo Tapajós e por outros rios da região, é bem mais recente quando comparada à realidade dos outros territórios mais invadidos pelos garimpeiros --a terra Kayapó, no sul do Pará, e a terra Yanomami, no noroeste de Roraima.
Os kayapós mebengôkres e os yanomamis sofrem pressões pelo ouro ilegal, de forma consistente, desde a década de 1980. Na terra Mundurucu, esse processo se intensificou a partir de 2018.
Passaram a ser frequentes no território casos de crianças e mulheres com doenças neurológicas, o que deve estar conectado a intoxicações por mercúrio, segundo avaliações de equipes médicas que acompanham a evolução dos casos.
Meninos e meninas mundurukus têm retardo mental grave e atraso de desenvolvimento, um quadro que pode estar associado à contaminação das mães por mercúrio e que precisa de investigação mais ampla, segundo profissionais de saúde que acompanham a situação dos indígenas.
A reportagem da Folha de S. Paulo esteve na Terra Indígena Mundurucu em setembro de 2023 para um dos capítulos da série "Cerco às aldeias", publicado no mês seguinte.
Em uma das aldeias em que a reportagem esteve --a Katõ, a principal do rio Kabitutu--, três meninas, de 2 a 7 anos, foram diagnosticas com "retardo mental grave", "atraso do desenvolvimento psicomotor" e "transtornos globais de desenvolvimento", como consta em prontuários.
As famílias recorrem a pajés da aldeia e de comunidades vizinhas em busca de respostas para a saúde das crianças. Há dificuldade de assistência médica em razão do isolamento e das distâncias --parte das famílias vai até Santarém (PA), e para isso é preciso percorrer os rios Kabitutu e Tapajós até Jacareacanga (PA), o que pode levar cinco horas, e mais 760 km até Santarém.
Os garimpos desorganizam as comunidades mundurukus, geram conflitos internos, engolem roças das aldeias, enlameiam os rios, despejam mercúrio na água e adoecem os indígenas, com avanço de malária e diarreia.
A operação de desintrusão é coordenada pela Casa Civil e envolve diferentes órgãos, como Ministério dos Povos Indígenas, Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Forças Armadas e forças de segurança, como a Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança Pública, também participarão da operação. A base, em fase de estruturação, ficará em Jacareacanga, a cidade mais próxima do território.
Procurada, a Casa Civil não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O governo não tem uma estimativa da quantidade de invasores na terra indígena por serem grupos flutuantes, com idas e vindas ao território. Estão previstas ações de repressão em garimpos localizados em unidades de conservação vizinhas e na via chamada Transgarimpeira, que conecta esses espaços.
Esta será a sexta operação de desintrusão do governo Lula. A expulsão de invasores da terra Yanomami, iniciada em fevereiro de 2023, segue em curso. Na maior terra indígena do Brasil, uma emergência em saúde pública, deflagrada em janeiro de 2023, tenta conter a crise humanitária vivenciada pelos yanomamis, com grande quantidade de casos de desnutrição e malária.
As outras desintrusões ocorreram nas terras indígenas Alto Rio Guamá, Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará, e Karipuna, em Rondônia.