Brasil escolhe a democracia, por mais reconstrução socioambiental
Política
Publicado em 31/10/2022

Vem aí, uma corrida de obstáculos

O pesadelo enfim está terminando. Neste domingo, quase 51% dos eleitores brasileiros escolheram a manutenção da democracia e elegeram Luiz Inácio Lula da Silva Presidente da República. O segundo turno foi dramático, com denúncias de crimes eleitorais em série, coação de eleitores e uso da máquina. Mas a sociedade brasileira, mesmo exposta a quatro anos de manipulação e desinformação, decidiu varrer do poder a extrema-direita e sua política de morte, empobrecimento e destruição ambiental. O aspirante a déspota que ora ocupa o Palácio do Planalto torna-se, assim, o primeiro presidente a disputar uma reeleição e perder. Já vai muito tarde.

É hora de celebrar a resiliência do regime democrático, aprovado em seu maior teste de estresse, mas também de enxergar com realismo a situação do país. O novo governo assume um Estado falido e uma sociedade esfacelada, com 33 milhões de famintos, um alto contingente de civis armados e estruturas de governança desmontadas. Antes de olhar para o futuro, o novo governo precisará desfazer retrocessos e reconstruir aquilo que o neofascismo desmontou.

A agenda socioambiental e climática é um dos lugares onde Lula precisará agir mais rápido e de maneira firme. Estancar o massacre dos povos indígenas e a devastação da Amazônia exigirá contrariar quadrilhas poderosas e, frequentemente, interesses de aliados e apoiadores nos governos locais e no Parlamento. A retirada dos criminosos das terras indígenas e a reversão das taxas de desmatamento são medidas urgentes, das quais depende a recuperação da credibilidade do governo brasileiro perante o próprio povo e a comunidade internacional.

O horror foi derrotado, mas ainda não acabou. Nos próximos três meses, tão importantes quanto o chão da floresta serão os plenários do Congresso Nacional. A aliança entre o regime que se encerra e o ruralismo, sacramentada no Parlamento, continuará mesmo depois que o atual presidente se for. Até o fim deste ano, ela tentará derrubar as árvores e as leis.

É importante que o novo governo já comece a usar o poder político conquistado nas urnas para impedir a aprovação das aberrações que estão nas mãos dos deputados e senadores. Caso os projetos de lei antiambientais conhecidos como “pacote da destruição” sejam aprovados, qualquer esforço para diminuir o desmatamento a partir de 2023 ficará muito mais difícil.

Lula assume seu terceiro mandato com responsabilidade tripla nessa área. Como autor das medidas que levaram à queda da taxa de desmatamento entre 2005 e 2012, o petista tem de superar o próprio desempenho. Como desenvolvimentista que no passado cedeu ao canto de sereia do petróleo e da infraestrutura predatória na Amazônia, precisará praticar um novo modelo de desenvolvimento, que enxergue a questão climática e o patrimônio ambiental brasileiro como oportunidades de alavancar o crescimento econômico e diminuir desigualdades. Como líder de um dos seis maiores emissores de gases de efeito estufa num momento em que os efeitos da crise climática aceleram em todo o mundo, Lula precisa garantir o aumento da ambição brasileira no Acordo de Paris. A humanidade tem apenas 96 meses para cortar emissões de forma a garantir que a meta de 1,5oC permaneça ao alcance. O Brasil é parte do problema – e da solução.

O presidente eleito está bem posicionado para implementar a virada socioambiental de que o país precisa. Ao acolher a agenda ambiental proposta pela ex-ministra Marina Silva, Lula tornou seu programa de governo o mais verde dentre todas as candidaturas do campo democrático. Propostas da sociedade civil, como a estratégia Brasil 2045, do Observatório do Clima, com a lista de ações emergenciais para os dois primeiros anos de governo, também foram acolhidas. Lula não se furtou a fazer discursos fortes e promessas ambiciosas sobre o tema na campanha. É hora de cumpri-las.

É também imperativo que o próximo governo entenda que a crise climática é, antes de qualquer coisa, um problema social. Os eventos extremos fazem vítimas principalmente os mais vulneráveis, notadamente as mulheres e a população negra. As mudanças climáticas são uma fábrica de gerar desigualdade e pobreza.

O Observatório do Clima congratula o presidente eleito e deposita nele e na ampla aliança que levou à sua vitória as melhores esperanças de reconstrução do país – descarbonizado, justo, próspero e sustentável. A sociedade civil estará sempre pronta a colaborar com o novo governo, nos espaços democráticos que esperamos ver recriados, nas agendas necessárias ao Brasil.

No entanto, também estaremos sempre prontos a exercer nosso papel de criticar e pressionar o governo quando e onde isso se fizer preciso. O contraditório, componente essencial da democracia, é crucial também para o avanço da agenda climática. Há 20 anos o Observatório do Clima monitora as políticas federais sobre o tema e frequentemente incomoda os governos. Seguiremos nesta linha, pautados sempre pelo avanço da agenda, ancorados na Constituição e no Acordo de Paris.

Parabéns e bem-vindo de volta, presidente Lula. Estamos de olho.

"Acima de tudo, o país escolheu a democracia. Agora, temos que reconstruir  um país destruído pela irresponsabilidade e pela incompetência. Na área ambiental, será uma longa jornada para refazer o que foi arrasado, começando pela retirada dos invasores das áreas indígenas e pela retomada do combate ao crime ambiental. O pesadelo está quase no fim, porém não podemos esquecer que Bolsonaro ainda tem mais dois meses com a caneta na mão e ainda pode, neste fim de mandato, promover mais  retrocessos na agenda ambiental." Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Fonte: Observatório do Clima - Entidade Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira sobre a agenda climática, com 77 organizações integrantes, entre ONGs ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável, na luta contra a crise climática. Desde 2013 o OC publica o SEEG, a estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa do Brasil.

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